PLENITUDE

PLENITUDE

22/04/2020 0 Por Carlos Joaquim
  • Péricles Capanema –

Não vai falar do covid-19? Tenha paciência, tratar de plenitude? Que atualidade tem isso? Calma, vou escrever sobre o covid-19. E porque escolhi logo plenitude? Sei, o assunto não dá manchete, parece do mundo da lua, desinteressante, frio. Incende para mim, precisa queimar; quanto mais, melhor.

Em linhas muito gerais, vou discorrer sobre uma plenitude, a humana. Com temperança, buscar a própria plenitude, em qualquer âmbito (moral, cultural, financeiro), é direito humano. Devagar. Plenitude tem (apenas) a atualidade do perene; no caso, perenidade de enorme relevância. Semanas atrás, em escrito sobre objeto parecido, observei: “Eles são perenes. Com efeito, em muitos sentidos o que é verdadeiramente atual deixa ver sempre a nota do perene — eco do imorredouro no presente. O resto é só o momentâneo, o passageiro, o fugaz, o efêmero, o fugidio, sei lá o que mais. Realidades breves evanescentes, minguando rumo ao nada.”
Estou convencido, é imprescindível manter o assunto plenitude em lugar alto em nosso panorama mental. Jamais retirá-lo daí — providência simples, irriga todo o espírito. Se permanecer no horizonte de grande número de pessoas, vai estimular avanço civilizatório, será vacina contra retrocessos e atrasos que, em última análise, fortalecem a opção preferencial pela atrofia, parte integrante da política, já de séculos, mesmo que inconfessada, das correntes revolucionárias. Exemplos paroxísticos e próximos são Cuba e Venezuela. No século passado, foram macabros e didáticos exemplos (melhorando, advertências), celebrados pelos progressistas mundo afora, a Revolução Cultural Chinesa e o Camboja do Khmer Rouge — pelo menos, até a revelação, ainda hoje parcial, da realidade dantesca. Muita gente no Brasil, de alto a baixo da escala social, movida pela mitomania igualitária, fez a opção preferencial pela atrofia, não vai mudar nunca. Os partidos de esquerda e o “progressismo católico” estão abarrotados delas. E não só lá.
Otto Lara Resende comentava, Nelson Rodrigues era uma “flor de obsessão”. Com isso queria significar, o amigo repetia sempre alguns pontos. Batia, rebatia, martelava, reiterava, insistia, reafirmava, recordava, repisava as mesmas trilhas. Atalhos perenes. O dramaturgo recifense concedia ser e no, é isso mesmo. “Sou um obsessivo e houve alguém que me chamou de ‘flor de obsessão’. Exato, exato, e graças a Deus. O que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões.” Morreu 40 anos atrás, até hoje seus textos são dos mais lidos no Brasil. Ninguém se lembra, ou quase tanto, quais eram seus críticos. Depois de frigir os ovos, tem coisa mais atual que a perenidade?
Entre companhia vasta, ou seja, pessoas que viam utilidade na repetição, Nelson Rodrigues teve uma de especial relevo, Napoleão. “A repetição é a mais forte figura da retórica”, garantia. Para que serve a retórica? Persuadir. E o melhor instrumento para convencer seria a repetição, opinião de alguém com forte propensão de convencer pelo fuzil e chicote.
Acho também, pelo menos na confusão da atual quadra histórica, é indispensável repetir alguns assuntos (plenitude, um deles), mesmo com o recurso disfarçado pelo emprego de meios variados. Martelar até que os argumentos entrem e se acomodem na cachola. Pode parecer obsessivo; paciência, precisa. Um dia, quem sabe o tema da plenitude humana exploda nas manchetes, é anelo meu, seja tratado como valor que acho normal lhe seja atribuído; relevância dispensada por todos, claro, mas em especial pelos que decidem os rumos da nação.