Tempestade à vista
♦ Péricles Capanema
Em 1º de novembro o “China Daily”, jornal estatal, em página editorial sobre as eleições no Brasil advertiu: “Não há dúvida que os interesses nacionais têm grande importância nas relações internacionais. Mas hoje a segurança nacional tornou-se prioridade top em alguns países. E assim, caso Bolsonaro, líder da extrema direita, ponha em prática diplomacia extremista e desencadeie fricções comerciais, teremos que pensar seriamente a respeito”. É aviso sério. A China não deixa dúvidas, reclama a continuação da situação presente. Sabe que para muitos no Brasil ela lesa interesses da segurança nacional.
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2017, o comércio entre os dois países alcançou 75 bilhões de dólares. Exportamos sobretudo commodities (ferro, soja, petróleo, carnes), com pouco valor agregado (economia com empregos piores), importamos em especial produtos manufaturados, com alto valor agregado (economia com empregos melhores). É relação clássica entre potência colonizadora e região colonizada.
Já em fins do século XX, o Brasil enfatizou relações com a China. Na malfadada era petista, a orientação aprofundou-se perigosamente. Os dois desgovernos (2002-2016) depreciaram como parceiros a Comunidade Europeia, os Estados Unidos e o Japão e privilegiaram a China comunista — entre 2001 e 2016, o comércio bilateral saltou de 3,2 para 66,3 bilhões de dólares. Nesse período (mesmo durante o governo Temer), empresas estatais chinesas compraram colossais nacos de ativos brasileiros em especial na área de energia, mineração, siderurgia, transportes, agronegócio, entre outros. Teremos ouvido a esquerda esgoelar contra o imperialismo norte-americano no Brasil. As alegações furadas são as de sempre: exploração, lesão a interesses estratégicos e perigo à segurança nacional. Estavam em jogo capitais privados, com interesses privados. Jamais esbravejou contra o imperialismo chinês. Pelo contrário, favoreceu seu domínio. E são capitais públicos, quem manda neles é a razão de Estado.
Nunca é demais recordar (já tratei do assunto em artigos anteriores, mas não tenho o direito de me cansar), os órgãos de divulgação falam em geral de investimentos chineses, capital chinês aplicado no Brasil, presença de empresas chinesas na economia brasileira. Vão por aí afora. Nunca sublinham o óbvio — ou apenas em raríssimos casos —, não estamos sendo objeto de meras inversões de capitais chineses, de si, bem-vindos, não fosse a circunstância incompreensivelmente silenciada, sobre a qual, mais uma vez, a seguir, ainda comentarei.
Alguns homens públicos frisam, a China pode comprar no Brasil, não pode é comprar o Brasil. Observação correta, contudo, deixa de lado o mais venenoso, que abaixo veremos. Sobre isso devemos berrar em cima dos telhados, mesmo que sejamos como São João, voz que clama no deserto.
Quem está comprando porções gigantescas da economia brasileira não é um Estado como outro qualquer. Os compradores são estatais chinesas, cujos diretores, em geral membros do Partido Comunista Chinês–PCC, são indicados pelo governo de Pequim, controlado de alto a baixo, até nas minúcias, pelo comunismo. Entram ainda no rol como compradores que preocupam, empresas chinesas de economia mista, com controle do Estado, e grupos econômicos chineses, com forte presença estatal, o que os coloca na prática como dóceis seguidores dos interesses do governo chinês. Dando um passo a mais na explicação, o capital privado chinês é bem-vindo (como de qualquer outro país), o domínio do PCC sobre a economia brasileira não o é.
Em outra perspectiva, não é a China, como nação antiga e em expansão, que está comprando o Brasil, de fato, verdade translúcida, por meio de órgãos e empresas do governo, é o Partido Comunista Chinês. Todas essas empresas seguirão os interesses políticos do comunismo chinês, cuja política na região agora está apoiando a Venezuela e procurando minar a influência norte-americana.
Neste caminho, o Brasil, dentro de anos, sei lá quantos, na prática, confessada ou inconfessadamente, perderá as condições de agir como nação soberana, e se transformará em inominado, mas efetivo protetorado chinês. Seremos peões dos interesses chineses. Nenhum patriota quer isso, nenhum órgão com missão precípua de defender a integridade e soberania da nação tem o direito de a tal realidade fechar os olhos.
Momento atual. O Brasil ao se ligar intensamente à China e descurar Estados Unidos, Comunidade Europeia e Japão, caiu numa armadilha. Dela só podemos sair aos poucos, sob pena de dilacerar carnes e quebrar ossos. De outro jeito, muitos setores da produção e empregos dependem em graus diversos da intensidade de relações econômicas com a China. Sensatez no rumo, gradualismo enérgico, mas clareza nos olhos, é o que se espera do governo Bolsonaro que aqui vai singrar no meio da tempestade. Do êxito da navegação dependerá em boa medida o futuro próximo como país próspero e o porvir remoto de nação soberana com grandeza cristã.
ABIM