Um “grande dia para Israel” enquanto se morria na Faixa de Gaza
Em chocante contraste, as forças israelitas mataram na segunda-feira pelo menos 55 palestinianos e feriram mais de 1.200, enquanto a alguns quilómetros de distância Israel e EUA faziam uma festa para inaugurar a embaixada norte-americana em Jerusalém.
Segunda-feira foi, de longe, o dia com mais mortes na violência transfronteiriça, desde a devastadora guerra em 2014 entre Israel e o Hamas, o que debilitou ainda mais as já de si frouxas perspetivas para o dito plano de paz de Donald Trump.
Ao longo do dia, manifestantes na Faixa de Gaza incendiaram pneus, provocando grossas colunas de fumo, e atiraram pedras e bombas incendiárias às tropas israelitas do outro lado da fronteira.
Os militares israelitas, que têm estado sob forte criticismo internacional pelo uso excessivo da força contra manifestantes desarmados, garantiram que o Hamas tentou bombardeá-los e alvejá-los, a coberto dos protestos, e divulgaram vídeos que mostravam os palestinianos a cortarem partes da fronteira constituída por arame farpado.
Os protestos da segunda-feira culminaram mais de um mês de manifestações semanais contrárias ao bloqueio da Faixa de Gaza. Mas a mudança da embaixada norte-americana, de Telavive para Jerusalém, fortemente criticada pelos palestinianos, acrescentou mais combustível.
Não houve praticamente qualquer menção à violência em Gaza na sumptuosa cerimónia de inauguração da embaixada, que é uma atualização de um posto consular situado apenas a 80 quilómetros de distância.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e outros dirigentes juntaram-se a uma delegação norte-americana, com membros do Governo e apoiantes republicanos e cristãos evangélicos.
O genro e conselheiro de Donald Trump para o Médio Oriente, Jared Kushner, chefiou a delegação, que integrava a sua mulher, Ivanka Trump, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e quatro senadores republicanos. Presentes estiveram também o financiador dos republicanos Sheldon Adelson e os pastores evangélicos Robert Jeffress e John Hagee.
“Um grande dia para Israel!”, tinha afirmado antes Trump, em mensagem distribuída através da sua conta na rede social Twitter.
Mas a quantidade de mortes e a condenação generalizada da mudança de embaixada no mundo árabe aumentaram as dúvidas sobre a ambição de Trump intermediar o que já classificou como “o acordo do século”. Ao fim de mais de um ano no poder, Trump ainda não apresentou qualquer proposta do há muito prometido plano de paz.
Trump afirmou que reconhecer Jerusalém como capita de Israel é admitir a realidade de o Governo israelita estar ali localizado e a ligação antiga dos judeus à cidade. Insistiu que a decisão não tem impacto nas futuras negociações sobre as fronteiras finais da cidade.
Mas, para israelitas, como para palestinianos, o gesto norte-americano é visto como um alinhamento com Israel na questão mais sensível neste velho conflito.
“Que dia glorioso. Recordem este momento. Isto é história”, disse Netanyahu, durante a cerimónia de inauguração.
“Só se pode construir a paz baseada na verdade e a verdade é que Jerusalém tem sido e sempre será a capital do povo judeu, a capital do Estado judaico”, acrescentou o primeiro-ministro israelita.
Os palestinianos, que veem Jerusalém-Leste como a sua capital, cortaram relações com o Governo de Trump e consideram que os EUA são incapazes de servirem como mediadores.
Israel capturou Jerusalém-Leste na guerra de 1967 e anexou a área, uma decisão que não foi reconhecida internacionalmente.
O Presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, furioso com a questão da embaixada, disse que “vai recusar” qual acordo de paz proposto pelo governo de Trump.
O chefe de Estado palestiniano apelou também à comunidade internacional para condenar o que disse ser “um massacre” pelas tropas israelitas em Gaza.
Ao cair da noite, pelo menos 55 palestinianos, incluindo vários menores, foram mortos, informou o Ministério da Saúde de Gaza, que mencionou ainda a existência de 1.204 feridos, dos quais 116 com feridas graves ou em estado crítico.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e a chefe da política externa da União Europeia, Federica Mogherini, fizeram apelos semelhantes, para que Israel respeitasse “o princípio da proporcionalidade no uso da força” e mostrasse contenção, e que o Hamas garantisse que os protestos permanecessem pacíficos.
O dirigente da agência da ONU para os direitos humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, lamentou “a matança chocante de inocentes”.
Por seu lado, o Presidente da França, Emmanuel Macron, condenou “a violência das Forças Armadas israelitas contra os manifestantes” palestinianos.
O Egito, um importante aliado de Israel, condenou a matança dos manifestantes palestinianos, enquanto a Turquia chamou o seu embaixador nos EUA e em Israel, depois do que classificou como um “massacre” de palestinianos na fronteira de Gaza. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Londres, acusou mesmo Israel de “terrorismo de Estado” e de “genocídio”.
A África do Sul também chamou o seu embaixador para consultas.
Durante a cerimónia na embaixada em Jerusalém, Kushner colocou a culpa nos manifestantes palestinianos.
“Como temos visto nos protestos no último mês e mesmo hoje, os que provocam a violência são parte do problema e não da solução”, disse.
Israel justifica o bloqueio da Faixa de Gaza, imposta por Israel e pelo Egito depois do Hamas ter assumido o controlo do território em 2007, é necessária para impedir o Hamas de aumentar as suas capacidades militares.
Mas o bloqueio dizimou a Economia de Gaza, criando um desemprego de 40% e permitindo um fornecimento diário de eletricidade de apenas algumas horas.
Os militares israelitas quantificaram em 40 mil os manifestantes nas ações de segunda-feira, salientando “a violência inédita” dos manifestantes em relação aos dias anteriores.
Desde que as ações de protesto dos palestinianos começaram em 30 de março último, já morreram 105 palestinianos.
O tempo dos acontecimentos de segunda-feira é profundamente simbólico para israelitas e palestinianos.
Os EUA argumentam que escolheram o dia para coincidir com o 70.º aniversário da fundação de Israel.
Mas, terça-feira, também marca o que os palestinianos designam por ‘nakba’, ou catástrofe, uma referência às centenas de milhares de pessoas que fugiram ou foram expulsas de suas casas durante a guerra de 1948, subsequente à criação de Israel.
Para hoje está planeado um dia de luto e funerais massivos.
A maioria dos dois milhões de habitantes de Gaza são descendentes de refugiados e os protestos têm sido feitos sob o slogan de ‘A Grande Marcha do Regresso’ para as, há muitos perdidas, casas onde é agora Israel.
Fonte: MadreMedia/Lusa
Foto: EPA/MOHAMMED SABER