PRESIDENTE DO BRASIL | WhatsApp Bolsonaro? A reportagem que não foi

02/01/2019 0 Por Carlos Joaquim
Pela aplicação mais popular do Brasil passou a informação política consumida por dois terços dos brasileiros. Através de um grupo criado pelos jornalistas que cobriram a campanha de Bolsonaro, a TSF reconstitui os principais momentos desde a vitória à posse do homem a quem os apoiantes chamam “mito” e os adversários intitulam de “fascista” e extremista de direita.
Foto: António Lacerda/EPA
“WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet.”
Assim reza a definição oficial da aplicação, que, não sendo especificamente uma rede social, é a mais utilizada no Brasil a ponto de ter sido a forma de consumir notícias políticas para dois terços dos brasileiros e de ter provocado o maior caso da campanha – se descontarmos o atentado em Juiz de Fora contra o candidato que viria a vencer a segunda volta a 28 de outubro – quando a Folha de São Paulo denunciou que a candidatura de Bolsonaro, com a ajuda de várias empresas, conseguiu que fossem disparadas mensagens em massa contra o PT e o candidato apoiado pelo Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad.
E se o WhatsApp foi veículo para muita desinformação e propagação de mentiras na campanha eleitoral no Brasil, no caso do grupo de jornalistas que se começou a reunir à porta de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, tem sido uma extraordinária rede de solidariedade, de partilha de bom humor e de informação, de imagens em vídeo e fotografias, de sons, notícias, contando atualmente com mais de duas centenas de membros.
Foto: Reprodução Facebook/Jair Messias Bolsonaro

Este trabalho, “A reportagem que não foi (o repórter saiu do Rio de Janeiro no dia seguinte à eleição)”, procura contar o que foi este tempo de Jair Bolsonaro, desde a eleição até à posse, o que permitirá a quem nos lê e ouve perceber igualmente o que podemos esperar das políticas do novo Governo, sendo também uma forma de a TSF terminar o ano prestando homenagem à solidariedade e camaradagem entre os jornalistas, tão necessária em tempos tão bizarros como os que vivemos.

No dia seguinte à eleição, os jornalistas começaram a chegar à porta de Bolsonaro por volta das dez da manhã. O deputado Eder Mauro, do Pará, foi o primeiro a visitar o presidente eleito: “ele deitou-se tarde, desceu para falar comigo sem se aprontar porque na terça-feira lhe disse que sabia que ia ganhar e eu voltaria cá, mas se fosse com outro ele teria de de se aprontar.” Presunção e água benta com a brisa matinal e poucas horas de sono à porta do número 3100 da avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca.
Papito ainda não tinha chegado. O vendedor de t-shirts, de camisetas como se diz no Brasil, à porta de Bolsonaro, tinha sido estrela durante as semanas anteriores na Portaria de Bolsonaro e companhia permanente – e fonte de boa disposição – para os jornalistas que passaram horas sem fim a tentar cobrir as atividades de campanha de um candidato que mal saía de casa.
Um dos mais próximos de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, futuro secretário-geral da presidência, anunciava o Chile como primeira visita do Presidente eleito. Por estes primeiros dias, discute-se o adiamento da intervenção cirúrgica a que Bolsonaro há-de ser submetido aos intestinos. À porta, os apoiantes mais estridentes não arredam pé e não baixam o volume.
Do circulo próximo de Bolsonaro durante a campanha, o ator de filmes pornográficos Alexandre Frota, quando lhe perguntaram se ia assumir algum cargo, prometia que deputado federal eleito, seria… ativo.
Em grande atividade logo no primeiro dia após a eleição, estava também o superministro da Economia Paulo Guedes, já a tecer as linhas da politica económica do governo Bolsonaro, e preocupado, “com o controlo do gasto público”. O ultraliberal discípulo de Milton Friedman, da Escola de Chicago, recorda que o Brasil gasta por ano em despesa pública o equivalente a “um Plano Marshall”. E que, mesmo assim, há “gente a viver na miséria”.
Foto: Pilar Olivares/Reuters
Na mesma, noite no Jornal Nacional da Globo, o mais visto do pais, o Presidente eleito voltava a ameaçar a Folha de São Paulo, dizendo que por ele o jornal tinha acabado. A Folha acusa Bolsonaro de não entender o papel da imprensa nem a Constituição a que promete obedecer. Sentem-se também ameaçados pelo novo poder todos aqueles que trabalham na EBC – a empresa brasileira de comunicação, tv e rádio públicas criadas durante os governos Lula.
Terça-feira, dia 30 de outubro. O Sol aperta na Barra da Tijuca e Bolsonaro manda fazer constar pelos assessores que vai ficar “relaxando e receber algum pessoal”.
Foto: Ricardo Moraes/EPA
O segundo dia do Presidente eleito não acaba, no entanto, sem uma visita à Igreja Evangélica de Silas Malafaia, na zona norte do Rio de Janeiro. O pastor, que deu amplo apoio à candidatura de Bolsonaro, também realizou o seu casamento com Michelle.
O último dia de outubro, na Portaria Bolsonaro, começa com um manifesto dos correspondentes. Nesse dia, Bolsonaro oficializa um nome para o Governo: o tenente coronel Marcos Pontes, engenheiro e astronauta, é indicado para o Ministério da Ciência e Tecnologia. A comunicação de Bolsonaro é feita atravésdo twitter.
No complexo universo da Barra da Tijuca e não só, “mito” é a alcunha de Bolsonaro, e há quem não se canse de gritar por ele:”Mito, mitooo, mitoooo!” Declarações de amor quando o Presidente eleito sai de casa para um saltinho à praia, no posto 4: “Eu te amooo Bolsonaro”, grita um homem de tronco nú e bermudas.
Não é que as condições sejam famosas, mas quando jornalistas trabalham à sobra de coqueiros, mais vale tirar os cocos das árvores e diminuir as probabilidades de acidentes de trabalho. Corre entre os jornalistas que foi indicação de Bolsonaro para que “os repórteres não se machuquem”. A malta da Portaria agradece.
Foto: Bruno Kelly/Reuters
A Ilha da Marambaia recebeu o Presidente eleito no feriado de finados. Bolsonaro foi ao Centro de Adestramento da Ilha, localizado na Costa Verde do Rio de Janeiro, visitando a Organização Militar da Marinha que, tradicionalmente, oferece privacidade e segurança para autoridades nacionais e estrangeiras. Trocado por miúdos, é o local onde são treinadas com armamento real, forças navais e fuzileiros, um dos primeiros sítios de dimensão militar que o Presidente eleito haveria de visitar nesse mês. Com o Presidente na ilha houve selfies e entusiasmo de alguns populares.
Com cerca de uma dezena de instituições militares visitadas desde a eleição, viagens para Brasília e São Paulo, JiuJitsu e futebol para ver – e o Palmeiras sagrar-se campeão – receções ao Conselheiro Nacional de Segurança John Bolton e vários outros embaixadores, assim passou Bolsonaro os últimos dois meses.
Sérgio Moro, próximo ministro da Justiça de BolsonaroFoto: Adriano Machado/Reuters
Bolsonaro contratou Sérgio Moro para o governo e o juiz da Lava Jato aceitou pela ambição “de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à Lei e aos direitos”,
Para o juiz de Curitiba que prendeu Lula, ir para o Governo “significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior”.
Dia 6 de novembro, o Presidente eleito vai pela primeira vez a Brasília. Sai da Base Aérea do Galeão num jato da FAB com 14 pessoas, incluindo o amigo milionário Paulo Marinho, o superministro Paulo Guedes, o filho, o vice Hamilton Mourão, o ruralista Nahban Garcia e o presidente do PSL Gustavo Bebianno.
Bolsonaro em Brasília significa descanso na Portaria, e na hora de regressar ao Rio, o assessor de imprensa também usa o whatsapp para informar os jornalistas: “amanhã não tem agenda, vai ficar descansando.”
Na TV Record, que tanto o apoiou na campanha, Bolsonaro defendeu a reforma da segurança social brasileira, a Previdência.
No domingo seguinte, Bolsonaro vai levantar dinheiro. Três seguranças à porta do banco, um outro vai com o Presidente eleito até à caixa multibanco, segue-o depois até perto da praia. A ida ao multibanco foi para pagar o churrasco aos seguranças e o próprio Bolsonaro trata da churrascada em casa. À sua porta, é comum aparecer gente vestida de Homem-Aranha, de Capitão América… e sempre com música religiosa em pano de fundo.
Foto: António Lacerda/ EPA
A 19 de novembro aceitou a sugestão de Paulo Guedes de indicar Rudolfo Castello Branco para a presidência da Petrobrás. Bolsonaro não defende a privatização da petrolífera estatal como empresa estratégica que é, a não ser que seja só em parte. No mesmo momento em que falava de educação e dizia que os brasileiros não sabem o que é uma ditadura, fazendo a comparação com a Hungria – com cujo primeiro-ministro, Victor Orban, tinha falado ao telefone – partilhava no twitter algo que foi entendido como um recado para Cuba e Venezuela:
“O Brasil paraíso de criminosos e fonte de renda ditaduras desumanas deverá dar lugar ao Brasil cujo brasileiro e as pessoas de bem serão nossa maior prioridade.”
Foto: Diego Vara/ Reuters
No primeiro dia de dezembro, durante uma visita à Escola Naval, Bolsonaro haveria de falar sobre as populações indígenas do Brasil: “Índio quer médico, dentista, televisão, internet. Igualzinho a nós. E nós vamos proporcionar os meios para que os índios sejam iguais a gente.”
Em meados do mês, a equipa de transição prepara-se para rever a demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima. É o assunto que se mistura com o depoimento do ex-motorista de Flávio Bolsonaro no Ministério Público do Rio de Janeiro a respeito das “movimentações atípicas” na sua conta. Seguem-se reuniões em Brasília, com o vice-presidente Hamilton Mourão, com o ministro da presidência Onyx Lorenzoni e demais ministros indicados. A posse está próxima, os alfaiates visitam Bolsonaro.
O Congresso aprova cortes de mais de 45% na verba orçamental para a secretaria da comunicação social. Bolsonaro promete via twitter, nesta e noutras áreas, mostrar os benefícios de uma correta aplicação dos dinheiros públicos.
O Presidente eleito e família vão passar o Natal a Marambaia, onde é visto vários dias sempre com a mesma camisa azul. Jair Messias Bolsonaro partilha no Twitter a sua mensagem natalícia:
“Com humildade, aceitando quem tem no coração a vontade de construir um Brasil melhor, buscaremos nos próximos anos restaurar o sentimento familiar há muito desgastado em nossa sociedade, bem como a paz dentro de nossos lares. Tenhamos todos um Feliz Natal! Fiquem com Deus!”
No dia seguinte, via whatsapp, fazia saber aos jornalistas que, dias antes da posse, iria receber o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netayahu.
Foto: Diego Vara/Reuters
Jair Messias Bolsonaro é empossado Presidente do Brasil esta terça-feira. Ganhou as eleições 70 anos depois da mudança de nome da terra onde nasceu. O ciclo do ouro fez o município paulista de Xiririca passar a ser Eldorado, apesar de 40% da população viver abaixo do limiar da pobreza e de ter a segunda maior taxa de mortalidade infantil do Estado.
Terceiro de seis filhos de uma família modesta, Jair por referência a uma glória do futebol do Palmeiras, nasceu em Campinas e viveu em Eldorado até à idade adulta.

O Brasil não é hoje um Eldorado e Jair Bolsonaro vai ter de dar resposta a um trio de problemas que, aliás, fizeram a tempestade perfeita que quase revolucionou o sistema político brasileiro e levou Bolsonaro ao poder: a crise económica, a corrupção sistémica, a violência urbana. É por aqui que se vai medir o sucesso ou o fracasso do Governo do conservador populista de direita que se prepara para subir a rampa do Palácio do Planalto.
Fonte: TSF