MUNDO | A ascensão da extrema-direita no país dos ABBA e do IKEA
A Suécia vai este domingo às urnas e os Democratas Suecos, apoiados na sua política anti-imigração, devem ter os maiores ganhos em número de deputados. E ter o poder de influenciar a formação de governo.
O líder da extrema-direita sueca, Jimmie Akesson, que conseguiu renovar o partido, tentando afastá-lo das raízes neonazis
© Arquivo Reuters
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“Estamos preparados para deitar abaixo qualquer governo que não esteja a levar a Suécia na direção correta”, disse o líder dos Democratas Suecos (DS), Jimmie Åkesson, numa entrevista à Reuters. O partido de extrema-direita, com raízes neonazis e defensor de uma política anti-imigração e da saída da União Europeia, deverá ter a maior subida entre todas as formações políticas nas eleições deste domingo (9 de setembro). E o poder de influenciar a formação do governo.
Cerca de 7,5 milhões de suecos são chamados às urnas para eleger os 349 deputados do Riksdag, com as sondagens a mostrarem que nenhum partido terá a maioria para governar no reino de Carlos XVI Gustavo, onde a maioria da população é luterana (religião do estado até 2000). No país dos móveis do IKEA, das roupas da H&M, da música dos ABBA ou dos carros Volvo as coligações e alianças são normais – o atual governo, do primeiro-ministro Stefan Löfven, é uma coligação a dois e conta com o apoio de um terceiro partido.
Mas a estimativa é que nem o bloco do centro-esquerda, nem a Aliança de centro-direita (na oposição), tenham força suficiente para conseguir governar, com cada uma a receber cerca de 40% das intenções de voto. Os principais partidos de ambos os lados (sociais-democratas e moderados, respetivamente) rejeitaram a hipótese de uma grande coligação à alemã, sem oferecer alternativas.
Isso dará à extrema-direita, que se estima possa ter 20%, um papel fundamental. Mais, o partido que atualmente surge em segundo ou terceiro lugar nas sondagens, tem sido subestimado e pode acabar por se tornar no maior partido da Suécia (algumas sondagens chegaram a apontar este cenário).
“Os Democratas Suecos estão isolados na política sueca. Nenhum outro partido quer cooperar ou negociar com eles. Por isso, não farão parte de qualquer governo após as eleições. Mas vão tentar influenciar a formação de governo. Um novo governo terá sempre que passar um voto de confiança no Parlamento”, disse ao DN Anders Sannerstedt, cientista político da Universidade de Lund e especialista no partido de extrema-direita sueco.
Imigração marca campanha
A Suécia, com quase dez milhões de habitantes, acolheu em 2015 mais de 165 mil requerentes de asilo – um dos valores mais elevados de migrantes per capita da Europa. Portugal, em comparação, recebeu entre finais de 2015 e finais de 2017, 1520 refugiados. “Numa sondagem no ano passado, os suecos foram questionados sobre que temas políticos eram os mais importantes e o mais mencionado, por 43%, foi a imigração”, indicou Sannerstedt.
“No outono de 2015, a Suécia recebeu uma grande quantidade de refugiados e tornou-se obvio que não podia lidar com a situação”, explicou o especialista da Universidade de Lund, referindo-se às dificuldades para encontrar casas, escolas (mais de 40 mil dos que chegaram eram crianças) ou garantir o acesso à saúde de que necessitam, num país cujo modelo de Estado Social é muitas vezes apresentado como exemplo de sucesso.
“Por isso o governo teve que se virar para uma política migratória mais restritiva. Desde então, os problemas associados com as migrações têm sido um tema quente no debate público”, acrescentou, lembrando contudo que nos últimos 30 anos, desde a primeira vaga de refugiados (a fugir da guerra na Jugoslávia ou da Somália e Eritreia), que “mais suecos estão a favor do que contra a redução” no número dos estrangeiros que recebem a proteção do estado.
Violência de gangues
A juntar-se ao número crescente de refugiados, nas zonas mais pobres das grandes cidades suecas (onde vivem muitos imigrantes), rebentaram motins e a guerra entre gangues rivais passou a fazer parte da realidade. O que ajudou ao crescimento dos Democratas Suecos, que tem raízes nos movimentos neonazis e cujo lema inicial era “manter a Suécia sueca”.Após terem feito a sua estreia no Parlamento em 2010, ganharam sete pontos percentuais quatro anos depois e agora arriscam agora tornar-se no maior partido, prometendo travar a entrada de migrantes e refugiados. Neste momento, todos os grandes partidos defendem uma política migratória mais restritiva.
“Para os apoiantes dos Democratas Suecos, a entrada de refugiados em 2015 só reforçou as suas convicções. E suspeito que isso também se aplica aos crimes violentos ligados a gangues, formados por uma segunda geração de imigrantes, muitos dos quais nascidos na Suécia”, referiu Sannerstedt. “Estes crimes apenas aumentam a imagem de áreas de imigração problemáticas. Na Suécia chamamos-lhes áreas vulneráveis de exclusão, enquanto na Dinamarca são chamados de guetos”, explicou.
Mas quem são os eleitores dos Democratas Suecos? Segundo o especialista, o partido de extrema-direita tem o seu maior apoio na classe trabalhadora, os operários. “Cerca de dois terços dos seus eleitores são homens. Em geral, tendem a ter uma educação baixa ou média”, referiu, dizendo que o partido chega a eleitores de todas as idades de forma mais ou menos semelhante e a todo o país (apesar de ser mais fraco em Estocolmo e nas duas outras grandes cidades suecas, Gotemburgo e Malmö. “Têm empregos e não têm medo de os perder num futuro próximo, têm um ordenado normal e estão bastante satisfeitos com a sua vida privada”, acrescentou.
Estado social em risco?
“Os Democratas Suecos têm hoje um programa abrangente. Têm posições sobre todos os temas políticos. As pessoas votam nos DS por causa da política de migração, mas é claro que também gostam de outras partes do programa, nomeadamente a defesa do estado social, da forte posição nos temas de segurança, do facto de serem contra a União Europeia e a favor do poder nuclear”, referiu Sannerstedt.
Depois da crise de 2008, a Suécia foi um dos países a recuperar mais rapidamente, com a economia atualmente a crescer (apesar de a um ritmo mais lento do que no passado – 4,1% em 2015 e 2,3% em 2017), graças a um aumento do consumo interno e das exportações. O desemprego está nos 6,4%, muito abaixo da média europeia.
O modelo sueco combina um elevado nível de vida, com as garantias de uma segurança social reforçada, com um dos sistemas mais generosos a nível de licença de maternidade (por exemplo). Os impostos são elevados, mas a educação é gratuita, e há um valor máximo que pode ser pago por ano a nível da saúde.
“O estado social sueco está mais ou menos intacto, mas houve algumas mudanças durante a década de 1980 e 1990, causadas pelos problemas económicos no nosso país, o aumento do neoliberalismo e uma nova gestão pública”, referiu ao DN o investigador da Universidade de Lund. “De facto, os Democratas Suecos estão a defender fortemente o estado social e argumentam que os sociais-democratas ficaram demasiado influenciados pelo neoliberalismo”, reiterou, garantindo que o sistema de saúde pública, o cuidado dos idosos, os seguros de saúde, os benefícios de desemprego estão para ficar. “Não estão ameaçados”, referiu, lembrando que outro tema na campanha foi a necessidade de mais cuidados de saúde e melhoria da situação dos idosos. “Todos os partidos querem alargar o sistema de saúde.”
A nível de impostos, é que a situação será diferente. “Os sociais-democratas têm favorecido tradicionalmente um sistema de redistribuição económica e gostam de ter impostos elevados para os mais ricos. Houve algumas reformas no século XXI e, como resultado, as clivagens económicas têm aumentado – um aumento que se deve também, em parte, à entrada de refugiados não europeus, que tendem a ter rendimentos baixos e desemprego mais elevado, em especial devido à sua falta de estudos”, referiu Sannerstedt
Quem é quem?
STEFAN LÖFVEN – PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA SUECO
O primeiro-ministro e líder dos sociais-democratas, Stefan Löfven, à chegada a um evento de campanha
© EPA/Fredrik Sandberg
Durante a maior parte dos últimos cem anos, os sociais-democratas (centro-esquerda), atualmente liderados pelo primeiro-ministro Stefan Löfven, têm estado no poder na Suécia. Nestas eleições arriscam ter o pior resultado de sempre, apesar de ainda surgirem nas sondagens à frente, com a última Sifo (5 e 6 de setembro) a dar-lhes 24,4% das intenções de voto.
Se ganhar, Löfven (um antigo soldador e sindicalista de 61 anos) promete gastar mais 70 mil milhões de coroas suecas (7,7 mil milhões de euros) ao longo dos próximos quatro anos no estado social. Após a crise migratória de 2015, foi obrigado a recuar na política de portas abertas aos refugiados e a promessa é manter as restrições introduzidas até que haja uma política migratória europeia, que inclua quotas de asilo.
Os sociais-democratas pretendem repetir a coligação que os mantém atualmente no poder com os Verdes, que conta também com o apoio do Partido da Esquerda (ex-comunistas). Juntos surgem nas sondagens com 40,6% das intenções de voto.
Mas os Verdes (6,2%, nas sondagens), liderados por Isabella Lövin (ministra para a Cooperação e Desenvolvimento Internacional) e Gustav Fridolin (ministro da Educação), são contra as restrições à política de asilo (estiveram prestes a abandonar a coligação em 2015), sendo acusados de ceder em muitos temas centrais ao maior parceiro da coligação.
O Partido da Esquerda (10%), de Jonas Sjöstedt, que apoia o governo nas votações do orçamento, lamentou não ter sido convidado a entrar no governo após as eleições de 2014.ULF KRISTERSSON – PARTIDO MODERADO
O líder dos Moderados, Ulf Kristersson, junto ao autocarro de campanha.
© EPA/Adam Ihse
O maior partido na Aliança de centro-direita, na oposição, liderou o governo entre 2006 e 2014, quando cortou significativamente nos impostos sobre os rendimentos e liberalizou as regras do mercado de trabalho. O Partido Moderado surge na última sondagem Sifo em terceiro lugar, com 16,9%, mas no total a Aliança tem 39,2% de intenções de voto.
O líder e candidato é Ulf Kristersson, de 54 anos, que foi ministro da Segurança Social entre 2010 e 2014. Quer cortar mais 50 mil milhões de coroas (4,8 mil milhões de euros) nos impostos sobre os rendimentos (aumentando contudo o IVA nos restaurantes) e aumentar os gastos nos próximos quatro anos em 37 mil milhões de coroas (3,5 mil milhões de euros).
A nível da questão da imigração, os moderados querem manter as atuais restrições, defendendo ainda que seja dificultado o processo para adquirir a cidadania sueca.
A Aliança inclui ainda o Partido do Centro, antigo partido dos agricultores que se modernizou para apelar aos eleitores urbanos, que é liderado por Annie Lööf e surge com 10% de intenções de voto nas sondagens; os Liberais, de Jan Björklund, que têm 6%; e os Democratas Cristãos, de Ebba Busch Thor, com 6,3%.
Centro e Liberais defendem uma política de imigração mais liberal do que o seu parceiro maioritário na Aliança, em especial no que diz respeito à reunião familiar entre pais e filhos migrantes, e querem uma política de asilo europeia.
JIMMIE ÅKESSON – DEMOCRATAS SUECOS
Jimmie Åkesson, líder dos Democratas Suecos, durante a campanha.
© EPA/Mats Andersson
O partido de extrema-direita nacionalista está a caminho do seu melhor resultado de sempre desde a fundação, em 1988, tendo chegado a haver sondagens que o colocavam em primeiro. Na última, o partido liderado por Jimmie Åkesson, de 39 anos, surge em segundo, com 17% das intenções de voto.
A campanha dos Democratas Suecos, que se estrearam no Parlamento em 2010 e têm vindo a crescer deixando para trás as raízes neonazis, é centrada numa plataforma anti-imigração. Para Åkesson, as restrições atuais não são suficientes e é preciso ir mais longe, defendendo que a Suécia só receba requerentes de asilo dos países vizinhos e que seja dificultado o processo para a obtenção da cidadania (mediante um teste cultural e domínio do sueco).
A nível europeu, o partido com o qual nenhum dos outros partidos diz querer negociar ou governar, quer ainda um referendo à permanência da Suécia na União Europeia, ameaçando com um Swexit (Sweden + exit).
A nível económico, a aposta é reduzir os impostos sobre o rendimento em 25 mil milhões de coroas suecas (2,4 mil milhões de euros) e aumentar ao longo de quatro anos os gastos no serviço de saúde e no cuidado aos idosos.
Fonte: DN