O relatório Guerras nas Fronteiras: Os traficantes de armas lucrando com a tragédia dos refugiados na Europa, divulgado em conjunto pelo Instituto Transnacional (TNI) e pelo European Stop Wapenhandel na segunda-feira, destaca a busca dos comerciantes de armas pelo lucro nos conflitos intermináveis do século 21.
“Há um grupo de interesse que tem se beneficiado somente pela crise dos refugiados, e em particular do investimento da União Européia (UE) em ‘proteger’ suas fronteiras”, diz o relatório. “São as companhias militares e de segurança que fornecem o equipamento aos guardas de fronteiras, a tecnologia de vigilância para monitorar fronteiras, e a infraestrutura da tecnologia da informação (TI) para rastrear os movimentos das pessoas”.
O relatório mostra que “essas companhias estão longe de serem beneficiárias passivas da generosidade da UE e que estão encorajando ativamente uma securitização crescente das fronteiras européias, e estão dispostas a fornecer cada vez mais tecnologias draconianas para fazer isso”.
De fato, “de 2005 a 2014, os estados membros da UE garantiram licenças de exportação de armas ao Oriente Médio e para o norte da África com o equivalente de mais de 82 bilhões de euros”, de acordo com o relatório.
Ele detalha como um fluxo consistente de armas de fora do Oriente Médio supre todos os agentes em conflitos múltiplos, como a guerra civil na Síria, com um fornecimento interminável de armamentos de alta tecnologia – garantindo, assim, a duração longa desses conflitos.
E, enquanto essas guerras criam mais e mais refugiados que procuram asilo na Europa, as mesmas corporações estão pressionando a UE para securitizar suas fronteiras contra eles – criando assim lucro adicional para aqueles nos negócios da militarização.
Além do mais, o TNI e o Stop Wapenhandel descobriram que “representantes de indústrias, oficiais de governo e exército e equipes de segurança, se encontram ao longo do ano em conferências, feiras e mesas redondas”.
O relatório parafraseia Nick Vaughan-Williams, professor de segurança internacional da Universidade de Warwick, dizendo: “Nesses eventos, é possível identificar uma cultura cíclica na qual a apresentação de novas tecnologias não somente responde, mas também permite e avança na formulação de novas políticas e práticas no campo da segurança de fronteiras e gerenciamento de migração”.
E essas “feiras especiais e congressos sobre segurança de fronteiras são relativamente novos”, nota o relatório. “Todos começaram dentro da ultima década”.
“Eu acredito que a influência do exército e da indústria de segurança na formação das políticas de segurança de fronteiras da UE é muito grande, especialmente na securitização e militarização dessas e no uso expansivo de tecnologia de vigilância e troca de dados”, disse Mark Akkerman da Stop Wapenhandel ao Common Dreams. “Os esforços da indústria incluem interações regulares com instituições das fronteiras da UE ( incluindo políticos e representantes de alto escalão), onde idéias são discutidas e que se tornam depois novas políticas da UE”.
“Por exemplo, a indústria tem pressionado por anos por uma atualização da [agência de fronteira da UE] Frontex para uma agência de segurança de travessias de fronteira”, disse Akkerman. “A nova Agência Européia de Guarda Costeira e Fronteiras proposta pela Comissão Européia, que tem muito mais poderes (tem seu próprio equipamento, intervenções diretas nos estados membros, decisões ligadas à pressões aos estados membros para fortalecer a segurança nas fronteiras) do que a Frontex tem agora, é exatamente isso”.
“Se o establishment da Agência Européia de Guarda Costeira e Fronteiras proceder”, nota o relatório, “significaria uma mudança fundamental para um sistema de segurança de fronteiras controlado pela UE, com a possibilidade de evitar os estados membros e forçá-los a fortalecer os controles e adquirir ou atualizar o equipamento”.
“Não é difícil prever que isso levará a um uso de rotas mais perigosas pelos refugiados, fortalecendo os negócios para os traficantes. Para as indústrias do exército e de segurança, no entanto, significa mais ordens da agência e dos estados membros”, continua o relatório.
Akkerman apontou a negligência da UE com os direitos humanos nesse processo motivado pelo lucro:
Os direitos humanos dos refugiados não têm papel importante nesse pensamento, exceto por motivos de promoção. Ambos os responsáveis pelas políticas e pela indústria às vezes tentam vender o aumento da militarização na segurança das fronteiras como um esforço humanitário, em termos de fortalecimento de pesquisa e resgate. A UE tem repetidamente tentado botar toda a culpa pelas mortes dos refugiados nos traficantes. Isso resultou no estreitamento da resposta para: “devemos retirar o modelo de negócio do tráfico” – com ainda mais meios militares para tentarem realizar isso.
Isso cria uma espiral descendente: quanto maiores os controles, maior a repressão e maiores os riscos que os refugiados são obrigados a tomar e que resultam em mais mortes. Experts e organizações de direitos humanos têm alertado sobre isso por anos, mas têm sido ignorados.
Enquanto sobe o número de mortes e um número record de pessoas deslocadas pelo conflito, parece que o lucro e o abuso aos direitos humanos irão prevalecer.