
OPINIÃO | Os seres humanos não são completamente eles próprios
Balzac disse em uma ocasião que «na vida só podemos vir a ser o que, em realidade, formos». Se bem compreendemos, isto quer dizer que as nossas possibilidades e até o nosso destino estão inscritos em nós, não sob forma de irresistíveis decretos providenciais e fatais, mas nos dons, talentos, aptidões, capacidades virtuais que trazemos ao nascer e que nos compete desenvolver, manter, utilizar, para podermos desempenhar o nosso verdadeiro papel.
André Chamson, da Academia francesa, em mensagem por ele enviada ao Congresso Nacional contra o alcoolismo, retomava este pensamento e afirmava: «Não é coisa fácil vir a ser o que de facto somos porque todas as travessas de uma existência parecem ligar-se para nos afastar desta realização.»
O ser humano, que passa por formação lenta e difícil da sua pessoa profunda, começa por tomar consciência da existência de um mundo exterior com que estabelece contacto. Estes contactos determinam nele certas reacções que não são necessariamente manifestações da sua profunda personalidade. Por consequência, os seres humanos que nos rodeiam não são completamente eles próprios, porque são obrigados, de contínuo, a ter em conta exigências de tudo o que os cerca. Foi o que levou o Dr. Paulo Tournier a dizer:«Verifico, cada vez mais, que a personalidade absolutamente pura nos escapará sempre. Sem dúvida, só Deus a conhece.»
Ser verdadeiramente uma pessoa, a que devemos ser ou, pelo menos, aquela em que nos devemos tornar, consiste antes de tudo em atingir o ideal que nos propomos livremente ou que aceitámos livremente.
Durante uma conversa entre um professor e os alunos da sua classe em que se abordou o problema do ideal, um menino de dez anos deu dele a seguinte definição magnífica: «O ideal é uma grande força dentro de nós que nos faz ir sempre mais longe e sempre mais alto.» Na realidade, esta força que nos impele para o melhor não é mais do que a chamada consciência moral. Ora esta não é infalível nem tão pouco igualmente sensível em todos os seres humanos; é mais escrupulosa e delicada em uns do que em outros e, para atingir todo o seu valor e nobreza, tem necessidade de ser esclarecida por diversas maneiras. Pensamos, por exemplo, que as lições da natureza, da história, assim como os factos da nossa experiência pessoal fornecem-nos uma vasta colheita de dados capazes de nos fazer compreender em que caminho nos devemos dirigir para nos aproximarmos de um objectivo que jamais atingiremos porque sempre é cada vez mais elevado.