Duas décadas depois Indústria extractiva em Moçambique “parece mais uma maldição”
Cerca de duas décadas após a Sasol, Rio Tinto, Vale, Jindal, Kenmare, Montepuez Ruby Mining e outras multinacionais começarem a explorar os recursos que a natureza abençoou o nosso país o impacto da indústria extrativa na vida dos moçambicanos “não parece uma bênção neste momento, parece mais uma maldição” constatou o economista António Cruz durante a Conferencia de Desenvolvimento Inclusivo em Moçambique onde o director adjunto da UNU Wider reiterou a importância da diversificação da economia, em detrimento do conteúdo local na indústria do gás, pois dos biliões investidos por estes megaprojectos contribuem pouco para Produto Interno Bruto(PIB) e ainda menos em postos de trabalho para os nacionais.
O economista chefe e director adjunto do Instituto para Pesquisa sobre Desenvolvimento Económico da Universidade das Nação Unidas(UNU-WIDER), Tony Addison, apresentou no passado dia 27 de Novembro em Maputo tudo aquilo que deveria ter sido evitado por Moçambique para que a exploração dos recursos naturais que a natureza nos abençoou não seja a maldição que se vive em Moatize, Namanhumbir, Moma, Pande ou num dos muitos distritos que convivem com as multinacionais do sector.
Porém, e com quase 20 anos de experiência em conviver com a indústria extrativa, os políticos moçambicanos continuam repetir os mesmos erros.
Tony Addison recomendou na sua apresentação que: “porque existe uma longa distância entre o anúncio de descobertas de hidrocarbonetos ou minerais e a altura em que as receitas começam a ser geradas, pode demorar um década ou mais, não é uma boa altura para endividamento público mesmo que seja em projectos considerados bons se ainda existirem necessidades na Educação nem mesmo insuflar as expectativas sobre as receitas para que o sector público-privado não comece a endividar-se e conduza a uma situação de sobre endividamento, é também preciso ser muito transparente no que se está a contratar em termos de endividamento”.
Relativamente as expectativas que os governantes alimentam que com a exploração do gás natural a vida de todos os moçambicanos irá melhorar graças as receitas fiscais, aos negócios que as Pequenas e Médias Empresas poderão fazer e aos postos de trabalho que serão criados o economista chefe da UNU-WIDER revelou que a experiência de outras partes do mundo, e que Moçambique tem destas últimas duas décadas, é que os biliões de dólares de Investimento Directo Estrangeiro que vão entrar para financiar cada um dos projectos da Bacia do Rovuma somente 3 a 20 por cento habitualmente resultam para o dinheiro para o erário, “a contribuição para o Produto Interno Bruto fica entre 3 a 10 por cento, e a contribuição para o emprego fica-se por apenas 1 a 2 por cento”.
“A situação de Moçambique é muito comum, a maioria dos países não tem nenhuma experiência até descobrirem grandes reservas de petróleo e gás”
Todavia o professor Tony Addison explicou que esses resultados podem ser melhorados através de políticas eficazes na diversificada a economia que possibilitem que suprir as necessidades indirectas da industria do gás e petróleo.
O economista lembrou que “a Nigéria destruiu o seu sector agrário quando tornou-se exportador de petróleo nos anos 70, teve uma crise cambial e acabou por tornar-se grande importador de comida, em vez de a produzir internamente, o que é um perigo quando surge uma crise cambial e a economia não está suficientemente diversificada, porque um câmbio alto joga contra a exportação de produtos manufacturados”.
Tony Addison partilhou ainda a experiência do Gana, “O vice-presidente Mahamudo Bawumia conta que quando descobriram as reservas de petróleo foram a Nigéria perguntar o que não deveriam fazer, mas eles acabaram por fazer e hoje está a tentar sair também de uma situação de alto endividamento público”.
Questionado pelo @Verdade sobre o que pode ainda ser feito para Moçambique ainda tentar evitar o seu destino “amaldiçoado” director adjunto do Instituto para Pesquisa sobre Desenvolvimento Económico da Universidade das Nação Unidas disse que: “A situação de Moçambique é muito comum, a maioria dos países não tem nenhuma experiência até descobrirem grandes reservas de petróleo e gás, basicamente tem de aprender do início”.
“Hoje o índice de Gini é de 0,47, ou seja a desigualdade ficou pior” em Moçambique
“Eu estava em Moçambique no término da guerra, em 1993 e 1994 e trabalhei com o Governo na primeira estratégia de luta contra a pobreza que foi apresentada aos doadores em Paris, um dos aspectos que enfatizamos foi a necessidade de investir em todas as regiões do país para que possam convergir em termos de crescimento, que ainda está para acontecer”, recordou Tony Addison salientando que “pelo menos o que acontece em Moçambique não foi o mesmo que se passou em Angola, que regressou a guerra”.
O economista chefe da UNU-WIDER recomendou: “Uma das políticas que deve ser priorizada é uma boa gestão fiscal, por causa da situação da dívida pública, espero que em cinco anos as receitas do gás comecem a vir”.
Comentando a explanação de Tony Addison, as perspectivas sobre o gás natural apresentadas por Henrik Poulsen e o que não está a ser feito em termos de diversificação da economia e conteúdo local na óptica de Evelyn Dietsche, o economista António Cruz constatou: “Em termos de desigualdade Moçambique em 1996/97 tinha 0,41, era elevado mas não muito elevado, hoje o índice de Gini é de 0,47, ou seja a desigualdade ficou pior. Nas cidades é de 0,55, ainda mais desigual”.
“Como percentagem do PIB a indústria extractiva era 0,6 por cento em 2003, em 2015 foi de 5,5 por cento, é impressionante. A taxa de crescimento do PIB foi em média 7,8 por cento de 93 a 2015, é impressionante, é uma das mais alta do mundo. Em 2015 6,6 (por cento), em 2016 3,8 (por cento), em 2017 3,7 (por cento). Em termos de níveis de pobreza o que está a acontecer nos últimos anos, em termos de conflitos violentos o que está a acontecer? Isto não parece uma bênção neste momento, parece mais uma maldição”, concluiu António Cruz.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique