Ainda há muitos doentes deixados para atrás no combate ao HIV/SIDA em Moçambique
Várias pessoas infectadas pelo HIV/SIDA continuam a ser colocadas de parte no acesso aos cuidados sanitários e são vítimas de tratamento desigual e preconceituoso em Moçambique e no mundo. A situação é, em parte, uma clara violação dos direitos humanos e ameaça frustrar as metas com vista erradicar a doença até 2030, disseram, esta segunda-feira (19), em Maputo, as instituições nacionais e internacionais que lidam com a matéria e apelam para que as acções de combate à pandemia sejam mais coordenadas e orientadas para o respeito dos direitos humanos.
Segundo o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Luís Bitone, passam mais de 30 anos que se luta contra a epidemia global mas as estatísticas continuam a revelar um pesadelo.
Apesar dos progressos registados, nas populações vulneráveis, as mulheres, mormente as raparigas, são as mais afectadas. As crianças, mulheres trabalhadoras do sexo, pessoas com deficiência e idosos são outras vítimas de uma lista que pode ser extensa.
Dessa lista, a directora do programa ONUSIDA em Moçambique, Eva Kiwango, acrescentou os usuários de drogas, que, a par de outros pacientes que vivem com o HIV/SIDA, requerem mais cuidado de saúde e ao acesso aos mesmos deve estar isento de barreiras.
Luís Bitone prosseguiu afirmando que “o desrespeito pelos direitos humanos incentiva o aumento de casos do HIV/SIDA”, o que inibe os pacientes de gozarem dos seus direitos.
Ele apontou como desafios a necessidade de “identificar, mapear e combater práticas culturais e costumeiras que potenciam a contaminação e propagação” da doença.
“É preciso debater e tomar posição em relação a um grupo de pessoas que são discriminadas: as trabalhadoras do sexo (LGBT), que embora alguns documentos internacionais reconheçam os seus direitos”, no país ainda é um tabu falar do assunto.
O presidente da CNDH considerou ainda ser indispensável “formar os aplicadores do Direito”, porque, segundo explicou, são poucos os magistrados que conhecem com profundidade os instrumentos nacionais e internacionais que promovem os direitos dos grupos a que se referiu.
“Temos ainda instituições frágeis e não actuante” por falta de recursos humanos, materiais técnicos, disse Bitone.
HIV/SIDA não diminui com mais preservativos
Eva Kiwango insistiu na obrigatoriedade de se discutir o problema na perspectiva de agenda global: “se não abordarmos o HIV/SIDA e a tuberculose na vertente da questão dos direitos humanos, não iremos erradicar as infecções em 2030.”
O encontro é um oportunidade para debater as barreiras que impedem as pessoas infectadas pelo HIV/SIDA de ter acesso aos cuidados de saúde, testagem em HIV, tratamento e prevenção.
Para Eva Kiwango, a redução de novas infecções pelo HIV/SIDA não vai reduzir aumentando o número de disponibilidade de preservativos (…). Precisamos ter a certeza de que as pessoas se previnem da vulnerabilidade da doença e que os acesso aos serviços de saúde não enfrenta barreiras, os enfermos não são julgados pela sua condição de infectados, não há medo de percepção da doença e sem riscos para as suas vidas.
O acesso aos serviços sanitários não pode ser no momento em que a pessoa se apresenta em busca de cuidados: há que considerar que barreiras impedem as pessoas de anuir aos serviços, pensar se são atendidas devidamente ou não e com dignidade.
Os interlocutores falavam na reunião sobre “Programas de Direitos Humanos no Âmbito da Implementação do Plano Estratégico Nacional da Resposta HIV/SIDA”.
Doentes maltratados por quem devia cuidá-los
Por seu turno, o secretário executivo, do Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA (CNCS), Francisco Mbofana, mostrou não ter dúvidas de que em 2030 não é possível acabar com a doença a que temos vindo a referir, “como ameaça de saúde pública, sem abordar os direitos humanos” dos enfermos.
A desigualdade do gênero continua a minar os esforços para combater o HIV/SIDA nos adolescentes e mulheres jovens em todo o mundo, enquanto muitas populações permanecem altamente infectadas e não dispõem de acesso adequado à prevenção, à testagem e aos cuidados com qualidade.
Estas pessoas, assim como os prisioneiros, os homens que fazem sexo com outros homens, pessoas transgênicas estão a ser deixadas para atrás, disse o dirigente, salientando que a violência, o estigma e a discriminação e outros tipos de abusos são atitudes sociais contribuem para a vulnerabilidade ao HIV/SIDA e limitam o acesso aos cuidados sanitários.
Aliás, “o estigma e a discriminação ainda têm consequência terríveis. As mesmas pessoas que deveriam proteger, apoiar e curar pessoas que vivem com o HIV, muitas vezes discriminam-nas (…). É da responsabilidade do Estado proteger a todos”.
Num outro desenvolvimento, Mbofana sugeriu que se examine, colectivamente, por que razão, apesar de tantos esforços nas últimas décadas, a epidemia continua preocupante.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique