A nova mariologia igualitária do Papa Francisco
O Papa Pio XII atribui a Maria Santíssima “a maior dignidade e santidade depois de Cristo” |
♦ Luiz Sergio Solimeo
O Papa Francisco acaba de confundir, escandalizar e desorientar mais uma vez os fiéis, ao invés de cumprir sua responsabilidade como Vigário de Cristo na Terra, que é de ensinar, santificar e guiar. Desta vez, ele o fez com a afirmação chocante de que Maria Santíssima teria sido uma moça comum, uma “moça normal”, em nada diferente das de hoje. Em livro-entrevista, cujos excertos foram publicados pelo jornal italiano “Corriere della Sera”,1 afirma que Maria Santíssima era “uma moça normal, normal, uma moça de hoje […] normal, normal, educada normalmente, disposta a casar-se, a constituir família. […] Depois, após a concepção de Jesus, ainda uma mulher normal. […] Sem nada de extraordinário na vida, uma mãe normal: mesmo no seu casamento virginal, casto no quadro da virgindade, Maria foi normal. Trabalhava, fazia as compras, ajudava o Filho, ajudava o marido: normal”.
O que vem a ser “uma moça de hoje”? Aquela que está em sintonia com o mundo paganizado e hedonista de nossos dias? A que segue as modas imorais e masculinizadas de hoje? Uma feminista que não tolera a menor diferença entre os sexos? A frase é extremamente ambígua, como é do seu estilo.
Ele explica o que entende por “normalidade”: “A normalidade consiste em viver no povo e como o povo”. Parece encontrar-se aí a chave para entender essa minimização da figura da Mãe de Deus, nitidamente impregnada do igualitarismo marxista presente na “Teologia da Libertação”.
Pecado de elite
Quando uma pessoa ou uma família se destaca por dons de liderança, tino administrativo, fortuna, capacidade intelectual ou artística, e mesmo espiritual, ela se torna pessoa ou família “de elite”. Ora, segundo o Papa Francisco, isso significa incorrer no “pecado máximo”, aquele que mais agrada a Satanás: o “pecado de ser elite”. São transcritas como palavras do ocupante da Cátedra de Pedro: o pecado que “agrada tanto a Satanás” é “o pecado da elite” […]. “A elite não sabe o que significa viver no povo, e quando falo de elite não entendo uma classe social: falo de uma postura da alma”.
O sabor marxista da afirmação é seguido, portanto, de uma ressalva: o “pecado de elite” seria “uma postura da alma”. Mas a descrição que ele acabara de dar desse novo pecado é de molde sociológico: “não sabe o que significa viver no povo”. Como sempre, conceitos vagos, desconexos, tornando suas frases confusas e de difícil compreensão.
A consequência dessa série de afirmações confusas é que, ao tomar a categoria “povo” — entendido no sentido igualitário que o Papa Pio XII qualificava como massa2 — e atribuir a essa categoria um valor moral absoluto, ele está tirando uma conclusão teológica com base em uma interpretação sociológica marxista de povo, no mais puro estilo da “Teologia da Libertação”. Daí a nova eclesiologia igualitária de sabor marxista: “A Igreja é povo, o povo de Deus. E ao diabo agradam as elites”. Fica implícito que quem cometesse o tal “pecado de elite” deixaria de pertencer à Igreja, por não “viver no povo e como o povo”. Por isso não agradaria a Deus, mas ao demônio.
O atual Pontífice não afasta dos Sacramentos, nem de sua amizade e companhia, os adúlteros, homossexuais praticantes, transgêneros,3 portanto é muito paradoxal essa “excomunhão” dos que ele considera na situação de “pecado de elite”.
A consequência lógica dessa eclesiologia igualitária é uma nova mariologia antielitista. Maria Santíssima não poderia elevar-se acima das demais criaturas, pois assim se tornaria “elite”, portanto deixaria de “viver no povo e como o povo”. Em vez de agradar a Deus, agradaria ao demônio! Para o Papa Francisco, nada de excepcional ocorreu na vida de Maria Santíssima: “Depois, após a concepção de Jesus, ainda uma mulher normal. […] Nada de extraordinário na sua vida”. Ser a Mãe de Deus, conviver com seu Divino Filho e com São José, acompanhar a pregação de Jesus, interceder junto a Ele para o milagre nas Bodas de Caná, participar de sua Paixão e Morte aos pés da Cruz, não haveria nisso “nada de extraordinário”! Seria tudo “normal”!4 O canto do “magnificat” corresponderia então a uma “postura de alma” elitista.
“Uma moça disposta a casar-se”
Dizer que Nossa Senhora era “uma moça […] disposta a casar-se, a constituir uma família”, vai contra o sentir geral dos Santos e dos Doutores, os quais sustentam que, quando se deu a Anunciação, Maria já tinha feito voto de castidade perfeita. É o que deduzem da pergunta que Ela fez ao Anjo Gabriel, depois de informada de que seria a Mãe de Deus: “Como se fará isso, pois não conheço varão?”5
Explica o grande exegeta Cornélio a Lapide (+ 1637): “Porque não conheço varão […]. Nenhuma outra justa razão para esta desculpa e hesitação por parte da Virgem pode ser aduzida ou suposta aqui, senão a impossibilidade moral resultante do voto que a Santíssima Virgem fez antes da anunciação angélica: este é o ensinamento dos Santos Agostinho, Gregório de Nissa, Beda, Bernardo, Anselmo, Ruperto”.6 Santo Agostinho, no livro De virginitate, é inteiramente categórico: Maria não teria feito essa pergunta ao Anjo, “a não ser que se tivesse consagrado a Deus como virgem”.7 São Bernardo é igualmente claro em relação ao voto de virgindade feito por Maria: “Ele [Deus] concedeu-lhe a maternidade, tendo antes lhe inspirado o voto de virgindade, e a cumulado da virtude da humildade”.8
Negação implícita da divindade de Jesus
Como se pode afirmar que Maria, Mãe de Jesus Cristo, era uma “ragazza normale, normale” (uma moça normal, normal), “una ragazza di oggi” (uma moça de hoje), una “donna normale” (uma senhora normal), e não tinha nada de extraordinário em sua vida? Como poderia “una ragazza normale”, “una ragazza di oggi”, que em nada se destacasse das demais, ter um filho como o próprio Verbo Encarnado? Não seria esta uma negação implícita de que seu Filho fosse Deus? Se Ela fosse inteiramente comum, seu Filho também o seria. Portanto, não se pode considerar a Santíssima Virgem como uma mulher comum, preocupada com coisas corriqueiras da vida.
Maria Santíssima é a obra-prima da Criação. Tendo sido escolhida por Deus para ser a Mãe do Redentor, foi preservada de toda mancha ou pecado, sendo Imaculada desde o seu primeiro instante, como diz Pio IX.9 Ela é a Theotokos (Mãe de Deus), como definiu o Concílio de Éfeso. Diz o Papa Pio XII que não pode haver ofício maior do que esse, pois ele “pede a plenitude da graça Divina”, portanto confere “a maior dignidade e santidade depois de Cristo”.10
Os Padres da Igreja, os Santos Doutores, os Sumos Pontífices, sempre A consideraram um “vaso de eleição”. Abismados diante de tanta perfeição, santidade e dignidade, exclamavam “de Maria nunquam satis” — de Maria nunca diremos o suficiente, nunca saberemos o suficiente. Por mais que A contemplemos, por mais que estudemos seus privilégios, muito ainda restará por conhecer e por dizer.
Ao referir-se à Mãe de Deus como uma mulher comum, “normal”, o Papa Francisco rompe com essa tradição e contraria o sentido dos Evangelhos. Contradiz ainda a forma lapidar do Papa Pio XII, acima apresentada, que atribui a Maria Santíssima “a maior dignidade e santidade depois de Cristo”.
Gloriosa Senhora, exaltada sobre as estrelas
Bem outro é o sentimento geral dos fiéis. A tradição teológica católica e a Liturgia assim louvam a Virgem Santíssima no Breviário Romano:
Ó gloriosa Senhora do mundo,Excelsa princesa do céu e da terra,Formosa batalha de paz e de guerra,Da santa Trindade segredo profundoSanta esperança, ó Mãe de amor,Ama discreta do Filho de Deus,Filha e Mãe do Senhor dos Céus[…]Do que Eva triste ao mundo tirouFoi o teu fruto restituidor;Dizendo-te Ave o embaixador,O nome de Eva te significou.Ó porta dos paços do mui alto Rei,Câmara cheia do Espírito Santo,Janela radiosa de resplendor tanto,E tanto zelosa da divina lei!Ó mar de ciência, a tua humildadeO que foi, senão porta do céu estrelado?
Fonte: ABIM
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Notas:
- Papa Francesco: “La Chiesa è popolo, l’élite il peccato”,https://www.corriere.it/cronache/18_ottobre_07/papa-francesco-chiesa-popolo-elite-peccato-2ab8a8ce-ca64-11e8-8417-701d201b7018.shtml, Out. 18, 2018.
- Cf. Radiomessaggio di Sua Santità Pio XII ai Popoli del Mondo Intero* Domenica, 24 dicembre l944,http://w2.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19441224_natale.html, Out. 18, 2018.
- Pope Francis met with a same-sex couple the day before he met with Kim Davis,By Sarah Pulliam Bailey and Michelle Boorstein, October 2, 2015, https://www.washingtonpost.com/news/acts-of-faith/wp/2015/10/02/pope-francis-reportedly-met-with-a-same-sex-couple-the-day-before-he-met-with-kim-davis/?utm_term=.e09a243c7349, Out. 18, 2018.
- O Papa usa a palavra strano. Um dicionário de italiano online apresenta os seguintes sinônimos para strano(plural feminino,strane): 1 stravagante, insolito, 2 poco comune, eccezionale, 3 misterioso. Dizionario Italiano, https://www.dizionario-italiano.it/dizionario-italiano.php?parola=strano, Out. 19, 2018.
- São Lucas 1, 34.
- The Commentary of Cornelius a Lapide– Saint Luke Chapter one, Loreto Publications, Fitzwilliam, New Hampshire, 2008, p. 158.
- Of Holy Virginity, nº 4, http://www.newadvent.org/fathers/1310.htm, Out. 18, 2018.
- St. Bernard of Clairvaux (Sermo2: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5 [1968], https://www.crossroadsinitiative.com/media/articles/mary-a-virgin-full-of-grace-and-virtues-bernard-of-clairvaux/, Out. 18, 2018.
- Pope BI. Pius IX – 1854, Bull Ineffabilis Deus -The Immaculate conception,http://www.papalencyclicals.net/pius09/p9ineff.htm, Out. 18, 2018.
- Pope Pious XII, Encyclical Fulgens Corona,nº 11, http://w2.vatican.va/content/pius-xii/en/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_08091953_fulgens-corona.html, Outubro 18, 2018.