Moçambique aderiu a zona de comércio livre africana, europeia, norte-americana mas “só somos mercado das outras economias que estão a integrar-se”
O Presidente Filipe Nyusi assinou a adesão de Moçambique à zona de comércio livre continental numa altura em que as empresas nacionais quase não exportam para África, ou outro lado qualquer do globo embora o nosso país seja signatário de vários acordos que possibilitariam a exportação com isenções aduaneiras. A economista Epifânia Langa explicou ao @Verdade que com a desindustrialização a acontecer, sem financiamentos a médio e longo prazo, sem serviços industriais de certificação e com mão-de-obra pouco qualificada: “só somos mercado das outras economias que estão a integrar-se”. Porém o ministro Ragendra de Sousa, que reconheceu a falta de competitividade, esclareceu ao @Verdade que as economias africanas “estão na fase da agregação para irem ao mercado com quantidade para influenciar o preço”.
Em Março passado, durante um Cimeira extraordinária da União Africana que decorreu no Ruanda, o Chefe de Estado tornou Moçambique num dos 44 países signatários do novo acordo de livre comércio denominado “Zona de Comércio Livre Continental de África”.
Acontece que o nosso país é signatário de outros acordos de comércio livre – com a União Europeia, com os Estado Unidos da América, com a África Austral – mas as empresas moçambicanas, que não devem ser confundidas com os megaprojectos, quase não fazem uso dessas facilidade para exportar os seus produtos.
Um dos motivos é que a industria manufactureira está em desindustrialização prematura, “caracterizada pelo desaparecimento de indústrias ou perda gradual de capacidades produtivas e tecnológicas em áreas industriais de maior complexidade manifestada pela simplificação de processos produtivos, a favor de crescente níveis de concentração à volta de actividades primárias”, constatou a economista Epifânia Langa num artigo inserido no livro “Desafios para Moçambique 2017” editado pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE).
O desaparecimento da industria manufactureira é corroborado por um outro estudo mais recente – do Centro de Estudos de Economia e Gestão da Universidade Eduardo Mondlane, do United Nations University World Institute for Development Economics Research e do Development Economics Research Group da Universidade de Copenhaga – que verificou que desde 2011 pelo menos um quarto das empresas que tem estado a acompanhar tinham sido encerradas.
Após a adesão à “Zona de Comércio Livre Continental de África” a economista do IESE, analisando os proveitos que Moçambique não tirou da integração económica na África Austral, particularmente com a África do Sul, concluiu que “a integração económica baseada somente na expansão de mercados reproduz o carácter subdesenvolvido e dependente da estrutura produtiva doméstica”.
“Só somos mercado das outras economias que estão a integrar-se”
Entrevistada pelo @Verdade Epifânia Langa, que não tem dúvidas de que a integração é irreversível, considerou ter disponível o mercado do continente africano: “é um potencial de crescimento, toda a industria que é do processamento e transformação precisa de vastos mercados para poder ter economias de escala porque os investimentos são enormes e o nosso mercado para muitas dessas empresas o investimento muitas vezes não compensa. Temos mercados pequenos, fragmentados, que criam necessidade de investimentos altos de transporte. A questão é como fazer porque agora não temos vantagens competitivas mas a longo prazo quais são as medidas que vai tomar para ir ganhando espaço nesse mercado”.
Na óptica da jovem economista, tendo em conta a situação real das empresas moçambicanas, há necessidade de “criar o ecossistema que precisam como financiamento, infraestruturas industrial, rede doméstica de inputs. Não temos um sistema financeiro que financia o sector produtivo com taxas de longo prazo, que alguns países já tem. Havia a expectativa de que o BNI seria um banco de desenvolvimento, é que o sistema financeiro comercial não é o ideal para investir na industria produtiva porque o máximo que emprestam é até 5 anos, os países que se desenvolveram criam bancos de desenvolvimento que estão vocacionados para dar taxas (de juro) a longo prazo, 20 a 30 anos”.
Além disso em Moçambique não existem serviços industriais para as empresas poderem exportar os seus produtos, nomeadamente a certificação, testagem, empacotamento nos requisitos internacionalmente padronizados, etc.
Segundo Epifânica Langa muitas empresas moçambicanas para manterem-se no mercado de exportação têm que ir a África do Sul adquirir certificação “competindo com as empresas sul-africanas que poderão ser um concorrente directo”.
A economista moçambicana destacou ainda a fraca qualidade da formação particularmente “em termos de skills do que é necessário para a indústria”.
“Em termos da integração ela está a acontecer, de 0 a 10 estamos muito mal talvez 0,5”, avaliou a investigadora do IESE indicando que “a nível macro é olhar o que exportamos para a região, tirando os megaprojectos, a banana que começamos muito recentemente mas em termos práticos pequena e média não temos nenhuma a exportar, só somos mercado das outras economias que estão a integrar-se”.
Certificação “é um processo que vamos começar e vamos ver até quando”
Abordado pelo @Verdade, o ministro da Indústria e Comércio, Ragendra de Sousa, reconheceu a falta de competitividade das empresas moçambicanas que pretendam tornar-se exportadoras, “há trabalho por fazer” disse ressalvando no entanto as oportunidades com a adesão à “Zona de Comércio Livre Continental de África”.
“As nossas economias estão na fase da agregação, eu produzo caju, a Zâmbia produz caju, a Tanzânia produz caju. Se cada um vai para o mercado leva umas 60 a 100 mil toneladas, se formos todos vamos com 400 mil toneladas e com um posicionamento diferente no mercado. Mas individualmente somos concorrentes, então nós precisamos de criar instituições de agregação para ir para o mercado com quantidade para influenciar o preço”, explicou Ragendra de Sousa.
Entrevistado pelo @Verdade em Maputo, à margem de um encontro que visava justamente lançar uma estratégia, mais uma, para colocar as empresas moçambicanas a aproveitarem as isenções existentes desde 2000 para exportarem para os Estado Unidos da América, denominada AGOA, o ministro da Indústria e Comércio admitiu o obstáculo que é a impossibilidade de se obter certificação de produtos alimentares em Moçambique.
“Não temos como fazer (a Certificação) aqui, o laboratório e tudo isso são coisas que para além do custo de investimento precisam de know-how. Um especialista que garanta a certificação de alimentos tem de ter pelo menos cinco anos de experiência, por isso não vai ser de hoje para amanhã, é um processo que vamos começar e vamos ver até quando”, declarou o governante.
Questionado pelo @Verdade sobre os financiamentos que faltam para empresas nacionais investirem o ministro Ragendra de Sousa disse que: “vamos mudar essa percepção. Nós estamos agarrados ao statuo quo (banca comercial), há formas de financiamento que não tem obrigatoriamente que passar pelos bancos (comerciais)”.
“Há fundos de promoção de investimento para as pequenas e médias empresas mas dependem da capacidade de fazermos parcerias atraentes, esse é o nosso dilema. Os homens da macadâmia não precisaram de nenhum banco. Estamos na fase de organizar o pequeno produtor para ter escala, isto é um longo caminho que já devíamos ter começado mas se não se começa mais tarde fica”, acrescentou o titular da Indústria e Comércio.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique