Alberto Castro*, Londres
Lubomír Zaorálek, atual ministro de Negócios Estrangeiros e provável candidato Social Democrata ao cargo de primeiro ministro nas eleições de outubro próximo na República Checa, defende que memórias políticas sobre atrocidades cometidas no passado colonial ocidental, longamente suprimidas, estão agora revigoradas por extremistas islâmicos no mundo muçulmano e a alimentar o súbito e explosivo despertar de suas comunidades.
Num discurso controverso que, segundo o Guardian, pode irritar os que acreditam que qualquer referência ao passado colonial do Ocidente pode terminar como uma parte de justificação para a violência extremista, Zaorálek, cuja fala foi feita na Cimeira sobre o Futuro da Europa, realizada em Praga de 13 a 15 de junho, alertou ainda que o fenômeno pode se estender a toda África e a Ásia. Ele lembrou que ex-potências coloniais europeias, juntamente com a Rússia imperial e sua sucessora, a URSS, mais os EUA, são responsáveis pela morte de milhões de pessoas.
“Há uma grande tendência para esquecer muitas coisas na nossa história”, disse, frisando que “tão chocante quanto as escalas de tais atrocidades praticadas no passado é a rapidez com que o Ocidente se esquece das mesmas.” Em sentido contrário, para lá do mundo ocidental surge um crescente despertar de massas recém-educadas e com elas a radicalização contemporânea de comunidades cada vez mais irritadas com seu destino, resultado de atrocidades cometidas no passado colonial.
No discurso, por ele mesmo descrito como brutal e difícil, o político checo apontou alguns exemplos de tais atrocidades. Falou da morte de cerca de um milhão de civis na Índia por parte dos colonizadores britânicos na segunda metade do século 19 em represália a uma revolta local em 1857. Disse que o uso da agricultura indiana por parte da Companhia Britânica das Índias Orientais para cultivar ópio, e depois impô-lo essencialmente à China, resultou na morte prematura de milhões de pessoas.
No Congo, onde ainda hoje se faz sentir o fantasma do rei Leopoldo, Zaorálek recordou que os belgas mataram de 10 a 15 milhões de pessoas entre o final do século 19 e o início do século 20. No Vietname, segundo o ministro, estimativas recentes sugerem de 1 a 3 milhões de civis mortos entre 1952 e 1975. No Cáucaso russo, de 1864-67, disse que 90% da população local foi movida forçosamente e entre 300 mil e 1.5 milhões de pessoas morreram de fome, ou foram assassinadas. Na Indonésia, no século 19, apontou uma estimativa de 300 mil civis mortos durante a ocupação holandesa.
Continuando o aterrador historial de atrocidades perpetradas pelo Ocidente, o político disse que durante a guerra da Argélia, nos anos de 1950, a França brutalizou quase 1.5 milhões de pessoas, quase a metade da população na altura, enquanto na vizinha Líbia cerca de meio milhão de pessoas morreram entre 1927 e 1935, em parte devido aos campos de detenção italianos. Lembrou que cerca de um milhão de civis morreram no Afeganistão durante a ocupação soviética e que nos passados 13 anos mais de 160 mil civis foram mortos na guerra civil do Iraque nas mãos dos EUA e de seus aliados.
Lubomír Zaorálek
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Para o ministro checo, torna-se necessário recordar o passado e esses números trágicos quando o Ocidente fala em radicalização e pergunta como é possível estarmos a enfrentar tanto ódio e violência. A única resposta, segundo ele, assenta em persistentes esforços de cooperação com os países muçulmanos nos próximos 20 anos.
Isto e muito mais parece ter entendido Emmanuel Macron. Então candidato a presidente da França, de visita a Argélia em fevereiro passado, em entrevista a uma televisão local ele teve a coragem de assumir a colonização como parte da história francesa, de a classificar como ”autêntica barbárie” e ”crime contra a humanidade”. Falou na necessidade dos franceses olharem de frente para aquele seu passado histórico e de apresentar suas desculpas àqueles que dele foram vítimas, facto que lhe valeu ferozes críticas principalmente da direita e da ultra direita francesas.
Para Zaorálek, além da resolução do passado colonial cuja saída passa nas próximas duas décadas por uma crescente cooperação, o Ocidente enfrenta internamente revoltas causadas pelas desigualdades da globalização e irá enfrentar no resto do século uma batalha de sobrevivência largamente devida ao desafio da mudança climática.
*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global