Ordem de detenção para Manecas dos Santos após entrevista ao DN
Amílcar Cabral (esq.) com Manuel dos Santos (centro) em Boké, agosto de 1971
| ARQUIVO AMÍLCAR CABRAL/FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES
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Polícias foram a casa do comandante do PAIGC para o deter. Ao DN, dissera que o país pode estar na iminência de golpe e criticara o atual presidente
Manuel (conhecido como Manecas) dos Santos, comandante histórico do PAIGC, está sob pressão do Ministério Público da Guiné-Bissau desde que deu uma entrevista crítica ao DN, alertando para a possibilidade de o país estar na iminência de um golpe de Estado.
“Na sexta-feira, dois agentes da Judiciária foram a casa dele para cumprir um mandado de detenção”, disse ontem à noite ao DN Carlos Pinto Pereira, advogado de Manecas dos Santos. Mas o comandante, de 74 anos, tem estado com problemas de saúde e fora internado na véspera: “A esposa informou os agentes que ele estava hospitalizado e disse-lhe para contactarem comigo.”
Na entrevista, Manecas dos Santos dava a sua opinião sobre o atual impasse político no país, com críticas ao presidente e um alerta de mal-estar nas Forças Armadas. “A Guiné-Bissau pode estar na iminência de um golpe”, disse. Mal a entrevista foi publicada, o Ministério Público convocou-o “como denunciante” para o interrogar.
Questionado por horas, ele reiterou que apenas emitira a sua opinião. O processo foi arquivado. Mas dias depois outro foi aberto, reconvocando-o para novo interrogatório, a 2 de junho. Manecas apresentou atestado médico, explicando que não podia comparecer por motivos de saúde. Ainda assim, a 5 de junho, o delegado do procurador emitiu o mandado de detenção, e a 9 apareceram em casa dele.
Carlos Pinto foi ao Ministério Público nessa própria sexta. “Li o mandado. Não especifica o propósito da detenção, quando devia dizer que o motivo era não ter comparecido a uma audiência judicial. A falta sem justificação pode ser motivo para mandado, mas não foi o caso. Ele não pôde ir por motivos de saúde e justificou. Essa justificação foi entregue por mim, mas fizeram tábua rasa dela. Não estavam interessados nisso, estavam interessados em vexar o comandante. Não lembra ao diabo prender uma pessoa para a ouvir quando ela está 100% disponível para ser ouvida. Ele foi internado na quinta-feira, antes de sabermos que havia o mandado. Sentiu-se mal, está a ser acompanhado por um médico há bastante tempo. O atestado médico é de 22 de maio e prova que não havia intenção de enganar ninguém.” Mas o Ministério Público duvidou. Ainda na sexta, chamou o médico a depor. “Quando eu estava a sair de lá, cruzei-me com ele”, conta o advogado. “Ele esclareceu o que havia a esclarecer.”
No caso do primeiro interrogatório, explica Carlos Pinto, o que estava em causa era o risco de acusação “de incitamento ao golpe, crime que pode ir até dez anos de cadeia. “Como tiveram de arquivar o processo porque já não podiam fazer mais nada, abriram um outro em que a acusação é de simulação de crime: que ele teria falado da preparação de um crime e não a provou. Para esse crime, menos gravoso, a pena é de dois anos.”
O advogado assegura que “o comandante está perfeitamente tranquilo e disponível para todos os esclarecimentos”. “Não é golpista nem nunca foi, está afastado das Forças Armadas desde 1977, é um puro civilista. O que ele afirmou na entrevista foi uma opinião. Como militante da luta entendeu que as coisas na Guiné-Bissau não estão bem e desabafou. Levar isso para uma tentativa de incitamento é abusar.”
O DN tentou contactar ontem, sem sucesso, a Procuradoria-Geral da República da Guiné-Bissau.
Questionado, através de um amigo que o visitou na clínica sobre se queria fazer alguma declaração para este texto, Manecas dos Santos resumiu: “Sou um resistente.” Quem o viu diz que está de bom ânimo.
A entrevista publicada por este jornal foi feita a 27 de abril, na casa do comandante em Bissau, a propósito do 25 de Abril. Em 1973, Manecas dos Santos teve a cargo o cerco de Guidage, batalha dramática da Guerra Colonial que contribuiu para o movimento dos capitães que fizeram a revolução. Salgueiro Maia, um dos que estiveram sob cerco, juntou-se com os seus homens aos que já lá estavam.
Alguns observadores no terreno apontam que Manecas dos Santos está a coordenar a convenção do PAIGC que vai estruturar a orientação do partido para futuras eleições, aguardadas com expectativa. A sua detenção visaria travar esse processo, considerado decisivo.
Fonte: DN