Do sociológico ao psicológico
O
escritor e dramaturgo austríaco, Hugo Laurenz August Hofmann, que
assinava suas obras com o pseudónimo de Hugo von Hofmannsthal, um
dos expoentes da brilhante geração de artistas do seu país em fins
do século XIX e que, entre outras coisas, foi amigo pessoal,
parceiro e colaborador do compositor alemão Richard Strauss,
escreveu, em um de seus ensaios: “Os males que afligiam a
humanidade tenderam a se deslocar do domínio público e sociológico
para o privado e psicológico”.
escritor e dramaturgo austríaco, Hugo Laurenz August Hofmann, que
assinava suas obras com o pseudónimo de Hugo von Hofmannsthal, um
dos expoentes da brilhante geração de artistas do seu país em fins
do século XIX e que, entre outras coisas, foi amigo pessoal,
parceiro e colaborador do compositor alemão Richard Strauss,
escreveu, em um de seus ensaios: “Os males que afligiam a
humanidade tenderam a se deslocar do domínio público e sociológico
para o privado e psicológico”.
Concordo,
mas apenas em parte, com essa observação. Não houve nenhum
deslocamento na natureza dos problemas que afectam o homem neste raiar
de novo milénio. Isso poderia, até, ter acontecido, e por
curtíssimo período, na época em que o escritor fez essa afirmação.
Hoje, o que ocorre é um acúmulo de males. Ou seja, os de domínio
público não foram sanados e, por isso, se agravaram e, a eles,
vieram se juntar os desajustes individuais, privados e psicológicos.
mas apenas em parte, com essa observação. Não houve nenhum
deslocamento na natureza dos problemas que afectam o homem neste raiar
de novo milénio. Isso poderia, até, ter acontecido, e por
curtíssimo período, na época em que o escritor fez essa afirmação.
Hoje, o que ocorre é um acúmulo de males. Ou seja, os de domínio
público não foram sanados e, por isso, se agravaram e, a eles,
vieram se juntar os desajustes individuais, privados e psicológicos.
Creio
que sequer preciso fundamentar em provas essa constatação, tão
óbvia ela é para pessoas minimamente informadas e com capacidade
mediana de observação. Quando Hofmannsthal escreveu seu ensaio, a
humanidade não havia, ainda, conhecido os horrores das duas guerras
mundiais, que deixaram, somadas, um número estimado de mais de 50
milhões de mortos, pelo menos o triplo dessa cifra de feridos e
prejuízos materiais tão grandes, que nunca puderam ser
quantificados (sequer aproximadamente).
que sequer preciso fundamentar em provas essa constatação, tão
óbvia ela é para pessoas minimamente informadas e com capacidade
mediana de observação. Quando Hofmannsthal escreveu seu ensaio, a
humanidade não havia, ainda, conhecido os horrores das duas guerras
mundiais, que deixaram, somadas, um número estimado de mais de 50
milhões de mortos, pelo menos o triplo dessa cifra de feridos e
prejuízos materiais tão grandes, que nunca puderam ser
quantificados (sequer aproximadamente).
Não
havia ocorrido o maior massacre da história, com o lançamento das
bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, que, literalmente,
incineraram, em questão de minutos, edifícios, monumentos, praças,
casas etc. e cerca de 200 mil pessoas. Foi, até hoje, o ataque mais
pavoroso, o ato de maior insânia e insensibilidade praticado pelo
homem contra seus semelhantes.
havia ocorrido o maior massacre da história, com o lançamento das
bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, que, literalmente,
incineraram, em questão de minutos, edifícios, monumentos, praças,
casas etc. e cerca de 200 mil pessoas. Foi, até hoje, o ataque mais
pavoroso, o ato de maior insânia e insensibilidade praticado pelo
homem contra seus semelhantes.
As
duas guerras mundiais deixaram a Europa, berço da civilização, em
frangalhos, em escombros, em dantescas ruínas, tanto política,
quanto económica, social e até moralmente. A economia do continente
se recuperou em pouco tempo, é verdade, graças ao famoso Plano
Marshal. Mas o que se perdeu, material e espiritualmente… Foi
irreversível e irrecuperável. Hoje, esses recursos, desperdiçados
nesses dois surtos de horror e insânia, fazem muita falta à
humanidade.
duas guerras mundiais deixaram a Europa, berço da civilização, em
frangalhos, em escombros, em dantescas ruínas, tanto política,
quanto económica, social e até moralmente. A economia do continente
se recuperou em pouco tempo, é verdade, graças ao famoso Plano
Marshal. Mas o que se perdeu, material e espiritualmente… Foi
irreversível e irrecuperável. Hoje, esses recursos, desperdiçados
nesses dois surtos de horror e insânia, fazem muita falta à
humanidade.
Concordem
ou não comigo, o facto é que a recuperação europeia se deu quase
que exclusivamente às custas dos países miseráveis – da África,
da Ásia e, sobretudo, da América Latina – de onde foram drenadas
riquezas, sobretudo as naturais, para que os europeus pudessem se
ressarcir dos danos causados por sua própria falta de juízo, de
duas guerras selvagens, estúpidas e sem senso. Os problemas
económicos que afligiam a humanidade naquele tempo, que agravaram os
de carácter sociológico a ponto de os tornar virtualmente
insolúveis, não foram, portanto, resolvidos. Estão aí, para quem
quiser ver, e cada vez mais graves.
ou não comigo, o facto é que a recuperação europeia se deu quase
que exclusivamente às custas dos países miseráveis – da África,
da Ásia e, sobretudo, da América Latina – de onde foram drenadas
riquezas, sobretudo as naturais, para que os europeus pudessem se
ressarcir dos danos causados por sua própria falta de juízo, de
duas guerras selvagens, estúpidas e sem senso. Os problemas
económicos que afligiam a humanidade naquele tempo, que agravaram os
de carácter sociológico a ponto de os tornar virtualmente
insolúveis, não foram, portanto, resolvidos. Estão aí, para quem
quiser ver, e cada vez mais graves.
É
verdade que o século XIX esteve longe de ser pacífico. Muito sangue
foi derramado, principalmente em solo europeu, com as guerras napoleónicas, os vários conflitos na Rússia, as múltiplas
insurreições populares como a Comuna de Paris, o confronto
franco-prussiano, e vai por aí afora. A China viveu um período de
instabilidade e caos, oportunidade em que Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha e Rússia procederam a uma sistemática e continuada
pilhagem nesta que é, sem dúvida, uma das mais antigas civilizações
remanescentes, com cerca de cinco milénios de existência. As
potências da Europa apoderaram-se das comunidades africanas como se
tivessem direito a elas, drenando para seus países os por si sós
escassíssimos recursos desse sofrido continente.
verdade que o século XIX esteve longe de ser pacífico. Muito sangue
foi derramado, principalmente em solo europeu, com as guerras napoleónicas, os vários conflitos na Rússia, as múltiplas
insurreições populares como a Comuna de Paris, o confronto
franco-prussiano, e vai por aí afora. A China viveu um período de
instabilidade e caos, oportunidade em que Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha e Rússia procederam a uma sistemática e continuada
pilhagem nesta que é, sem dúvida, uma das mais antigas civilizações
remanescentes, com cerca de cinco milénios de existência. As
potências da Europa apoderaram-se das comunidades africanas como se
tivessem direito a elas, drenando para seus países os por si sós
escassíssimos recursos desse sofrido continente.
Como
se vê, no tempo de Hofmannsthal o que não faltavam eram problemas:
políticos, económicos, militares e sociológicos. Além do que,
começaram a emergir os de ordem privada, de carácter psicológico,
que hoje competem palmo a palmo com os primeiros.
se vê, no tempo de Hofmannsthal o que não faltavam eram problemas:
políticos, económicos, militares e sociológicos. Além do que,
começaram a emergir os de ordem privada, de carácter psicológico,
que hoje competem palmo a palmo com os primeiros.
A
Revolução Bolchevique de 1917, já em pleno século XX, foi uma
esperança, uma alternativa para, senão a eliminação, pelo menos a
redução das desigualdades sociais, principalmente na Rússia. Se
funcionasse ali, certamente seria abraçada por outros povos. Não
funcionou.
Revolução Bolchevique de 1917, já em pleno século XX, foi uma
esperança, uma alternativa para, senão a eliminação, pelo menos a
redução das desigualdades sociais, principalmente na Rússia. Se
funcionasse ali, certamente seria abraçada por outros povos. Não
funcionou.
Não
tardou para que essa utopia de uma sociedade sem classes, com a
abolição total da propriedade privada, frustrasse os idealistas. O
que na sua concepção original era para ser uma coisa, se
transformou em outra, muito diferente, que nada tinha a ver com os
ideais de igualdade e fraternidade dos seus mentores. Tornou-se uma
férrea ditadura do Estado sobre o indivíduo, e muito mais
intolerável do que o liberalismo cínico do “laissez faire” e
seu selvagem sistema capitalista. Não durou (como não poderia
durar) sequer um século.
tardou para que essa utopia de uma sociedade sem classes, com a
abolição total da propriedade privada, frustrasse os idealistas. O
que na sua concepção original era para ser uma coisa, se
transformou em outra, muito diferente, que nada tinha a ver com os
ideais de igualdade e fraternidade dos seus mentores. Tornou-se uma
férrea ditadura do Estado sobre o indivíduo, e muito mais
intolerável do que o liberalismo cínico do “laissez faire” e
seu selvagem sistema capitalista. Não durou (como não poderia
durar) sequer um século.
Quanto
aos problemas psicológicos (que um amigo muito chegado classifica,
de forma irreverente e até um tanto escatológica de “frescuras de
riquinhos desocupados”), vêm crescendo, de forma exponencial.
Milhões de pessoas mundo afora, no afã de fugir de seus fantasmas e
demónios interiores, recorrem ao álcool, às drogas e a tantos
outros expedientes de fuga, inutilmente. Multidões superlotam os
consultórios dos especialistas (quando não gabinetes de gurus e de
charlatães), em busca de auxílio.
aos problemas psicológicos (que um amigo muito chegado classifica,
de forma irreverente e até um tanto escatológica de “frescuras de
riquinhos desocupados”), vêm crescendo, de forma exponencial.
Milhões de pessoas mundo afora, no afã de fugir de seus fantasmas e
demónios interiores, recorrem ao álcool, às drogas e a tantos
outros expedientes de fuga, inutilmente. Multidões superlotam os
consultórios dos especialistas (quando não gabinetes de gurus e de
charlatães), em busca de auxílio.
É
certo que quem é afectado por esses males quase nunca é o desvalido,
o pobre, o miserável ou o indigente. Estes já têm aflições de
sobra para garantir pelo menos a refeição do dia. As estatísticas
comprovam, por exemplo, que os mais altos índices de suicídio são
registrados em países ricos – notadamente Suécia, Estados Unidos
e Japão – cujo estilo e, principalmente, qualidade de vida são
invejados por todos os povos. O problema do pobre é, aparentemente,
mais simples: comida num primeiro instante. E, claro, moradia
decente, educação, saúde, segurança etc.etc.etc.
certo que quem é afectado por esses males quase nunca é o desvalido,
o pobre, o miserável ou o indigente. Estes já têm aflições de
sobra para garantir pelo menos a refeição do dia. As estatísticas
comprovam, por exemplo, que os mais altos índices de suicídio são
registrados em países ricos – notadamente Suécia, Estados Unidos
e Japão – cujo estilo e, principalmente, qualidade de vida são
invejados por todos os povos. O problema do pobre é, aparentemente,
mais simples: comida num primeiro instante. E, claro, moradia
decente, educação, saúde, segurança etc.etc.etc.
Uma
coisa é certa: as sociedades que aí estão são um fracasso, a
despeito da sofisticada tecnologia de que dispõem. Injustas,
excludentes e preconceituosas, não asseguram relacionamentos sequer
minimamente civilizados entre as nações e, muito menos mesmo que um
arremedo de felicidade para a imensa maioria da população mundial.
Urge, pois, que se encontre (e se concretize) uma nova utopia, de
igualdade, fraternidade e, sobretudo, de solidariedade neste
violento, poluído, judiado e sumamente depredado Planeta. Seremos
competentes para isso?
coisa é certa: as sociedades que aí estão são um fracasso, a
despeito da sofisticada tecnologia de que dispõem. Injustas,
excludentes e preconceituosas, não asseguram relacionamentos sequer
minimamente civilizados entre as nações e, muito menos mesmo que um
arremedo de felicidade para a imensa maioria da população mundial.
Urge, pois, que se encontre (e se concretize) uma nova utopia, de
igualdade, fraternidade e, sobretudo, de solidariedade neste
violento, poluído, judiado e sumamente depredado Planeta. Seremos
competentes para isso?
Por Pedro J. Bondaczuk