Macroscópio – A guerra dos Costas e o que isso pode custar a Portugal

19/02/2016 0 Por Carlos Joaquim

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

O choque entre o primeiro-ministro, António Costa, e o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, ganhou esta semana uma dimensão inusitada com o chefe do Governo a criticar abertamente a actuação do Banco de Portugal. O presidente do PS secundou-o e os partidos mais à esquerdaforam ainda mais longe, pedindo a demissão do responsável do BdeP.

Acontece porém que, no quadro das regras da zona euro, não só está garantida a independência do banco central, como um dos mecanismos que a assegura é a impossibilidade de demitir o seu governador com base em critérios políticos. É isso mesmo que se explicava, com detalhe, num especial do Observador editado ao final do dia de ontem: E não se pode demiti-lo? É muito difícil.Nesse texto não só se lembravam as regras em vigor nos países do euro como se recordavam choques anteriores entre Carlos Costa e a actual maioria e, também, o desconforto que o estatuto independente dos banqueiros centrais muitas vezes causa nos governos. E recordava-se um caso limite, o da Grécia, ou o do que esteve quase a acontecer na Grécia: “Vários membros do Syriza, liderados pelo ex-ministro da Energia, Panayotos Lafazanis, reuniram-se em Atenas a 14 de julho de 2015, poucas horas depois do acordo assinado por Alexis Tsipras, primeiro-ministro da Grécia. Em conjunto, desenharam um plano para tirar a Grécia da zona euro que passava por colocar o governador do banco central, Yannis Stournaras, atrás das grades e pedir ajuda a Moscovo. A decisão extrema seria concretizada no caso de o responsável pela instituição se opor a uma tomada de controlo do banco central grego e aos planos dos elementos mais radicais do partido que lidera o poder em Atenas.”

Francisco Sarsfield Cabral reforçou hoje a ideia de que os políticos têm, por regra, uma má relação com a independência dos banqueiros centrais na sua coluna na Rádio Renascença,Costa contra Costa, um texto onde faz um paralelo pouco simpático para o nosso primeiro-ministro: “Desde que se tornaram independentes do poder político, para evitar facilidades monetárias em tempo de campanha eleitoral, os bancos centrais têm sido alvo de críticas de governantes. As mais violentas, como as recentes de A. Costa, procedem de autocratas semi-democráticos, como o chefe do governo da Hungria ou o Presidente da Turquia.”

Claro que o choque entre o governo e Carlos Costa parece longe de assumir as proporções destes países, mas a verdade é que a maioria dos textos de análise hoje editados, mesmo podendo ser críticos da actuação do governador, mostram sobretudo inquietação com o mal que pode fazer a Portugal a percepção de que um governo pode violar o estatuto de independência do banco central.

Mas há excepções e é por elas que começamos. São as dos que pedem abertamente a demissão de Carlos Costa. Fazem-no Raul Vaz no Diário Económico – Até quando, meus senhores? – e Pedro Sousa Carvalho no Público – Demita-se, sr. governador. Para este último “António Costa faz bem em barafustar e em confrontar o Banco de Portugal com as suas próprias incongruências. Afinal, não foi o próprio Banco de Portugal que obrigou o BES a fazer uma provisão de 700 milhões de euros para reembolsar esses investidores do papel comercial? Isso não criou uma expectativa de reembolso? E agora lava as mãos como o senhor da impressora?” Já para o director do DE o argumento é que “Sabendo que o primeiro-ministro o fez de forma pensada, consciente e, por objectivo, consequente, não há mais tempo para fazer de conta. Das duas, uma: ou o governador rasga a sua condição de inamovível e bate com a porta, ou o Governo se cala para sempre. Não sendo plausível que António Costa recue ou trema no seu propósito, restará a Carlos Costa reconhecer que não tem condições objectivas para continuar no cargo. A bem do interesse nacional.”

Numa posição que podemos considerar intermédia encontramos análises como a de António José Teixeira, no Expresso, em A irresponsabilidade e a responsabilidade de Carlos Costa(paywall), na qual se considera que o mal começou quando o governador aceitou ser reconduzido sabendo que uma boa parte do país político – toda a esquerda e também aquele que viria a ser eleito Presidente da República – se opunha à sua continuação no cargo. Mas mesmo considerando que “a sua voz e autoridade ficam diminuídas quando sofre uma contestação política e institucional ao mais alto nível no seu país”, este comentador acrescenta que “a saída tardia de Carlos Costa do Banco de Portugal não será um bom serviço a Portugal. Parece contraditório, mas não é. A sua demissão teria decerto efeitos perversos para a credibilidade do país num tempo de grande volatilidade, instabilidade e desconfiança. Não faltariam vozes internas e externas a clamar por um qualquer atentado à independência do banco central português. Já nos chegam os que todos os dias agitam o susto dos investidores…”

É precisamente este último ponto que é mais valorizado noutras colunas de opinião, sendo que algumas são especialmente duras na crítica à forma como António Costa abriu esta guerra e criou a percepção de que quer forçar Carlos Costa à demissão. Alguns desses textos são bastante duros, como o de Henrique Monteiro, também no Expresso, que em Costa, os lesados do BES e Costa(paywall) considera que “O ataque a Carlos Costa – aliás nomeado pelo governo Sócrates e reafirmado pelo de Passos Coelho –, sendo um ataque político é, como têm sido os do Bloco de Esquerda, sobretudo, um ataque cobarde, pois sabem que os reguladores não podem defender-se de forma semelhante. É um ataque que aponta a mira para o Banco de Portugal e isenta os malfeitores que no BES enganaram os lesados.”

Eu próprio escrevi um texto também muito crítico no Observador – Eles comem tudo. E sempre foi assim. – onde considerei que as motivações do primeiro-ministro pouco tinham a ver com a situação dos lesados do BES, antes que estes estavam a ser usados para forçar a saída do governador por forma a colocar no seu lugar “alguém a seu gosto”. Eis um dos argumentos: “Não é um desejo de hoje, nem um desejo derivado do caso Banif ou mesmo do processo do BES: desde 2011 que o PS não deixa Carlos Costa em paz porque nunca lhe perdoou ter estado do lado de Teixeira dos Santos quando este forçou José Sócrates a chamar a troika. Não é ontem, nem de anteontem, a hostilidade do PS sempre que Carlos Costa comparece no Parlamento, não é de agora a grosseria com que o trata: a diferença é que antes a má criação ficava por conta de João Galamba e circunscrevia-se às audições na comissão parlamentar e agora passou a ser também assumida pelo primeiro-ministro e pelo líder da bancada socialista, Carlos César.”

António Costa, o jornalista, também foi bastante assertivo no Diário Económico, em Os lesados… de Costa: “António Costa fez dois ataques duros ao governador do Banco de Portugal em menos de 24 horas, criticou a sua irresponsabilidade no caso dos lesados do BES, mas o próprio primeiro-ministro recorda-nos que não pode demitir Carlos Costa, por causa do seu estatuto de independência. Se é assim, o que quer Costa, o líder do Governo? Ganhar eleições, porque estão aí a chegar.”

Há contudo muitos riscos numa estratégia que seja determinada por cálculos políticos de curto prazo, pois a situação de Portugal é frágil e a sua imagem externa começa a tornar-se ainda mais frágil de dia para dia. Isso mesmo recorda Helena Garrido no Jornal de Negócios, em O vale-tudo na guerra dos Costas, quando escreve, por exemplo, que “Nesta guerra do Governo contra o Banco de Portugal corremos o risco de atirar mais lenha para a fogueira da desconfiança. Agora não apenas internacional, mas também nacional.” Nessa sua análise também recorda que “A hostilidade entre o PS e o governador remonta à era de José Sócrates, quando se pediu ajuda externa” e que “O caso BES fez com que muita gente com poder real perdesse dinheiro (e poder)”. As conclusões ficam a cargo do leitor.

Regresso ao Observador para referir o ponto de vista de Paulo Ferreira, Se não o podes demitir, atira-te a ele, que sendo muito duro para com Carlos Costa – “Continuo sem entender qual é o projecto do governador para a instituição e a forma atabalhoada como foi gerida a queda do Banif só reforçou a ideia que a supervisão continua a não funcionar como se devia esperar” – entende que o mais grave é a acção de “bullying” a que estamos a assistir: “entre as críticas com base numa auditoria externa, que se espera ser um trabalho sério e sustentado, e a bravata aberta pelo governo a propósito de factos que ninguém conhece vai um mundo de diferenças. Num caso estamos a contribuir para o reforço e dignificação das instituições e no outro a fragilizá-las irresponsavelmente. É muito preocupante que o Governo não distinga uma coisa da outra.”

Para terminar, apenas uma referência a um post de Vital Moreira no Causa Nossa, Jogada arriscada, onde o antigo eurodeputado socialista considera que “É óbvio que o Governo pode tentar forçar Carlos Costa a demitir-se, mas os custos “reputacionais” dessa operação arriscada de politização do BP poderiam revelar-seexcessivamente onerosos para a necessária estabilidade e credibilidade do sistema nacional de supervisão bancária.”

Não quero porém despedir-me sem varia um pouco mais as sugestões até porque estamos à entrada de um fim-de-semana. Trago por isso mais duas, indo a primeira para o texto de hoje de Francisco Teixeira da Mota no Público, “Mas as crianças, Senhor. Porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim ?”, onde o advogado se refere a alguns casos recentes e nota: “É por demais evidente que, se há um notório risco de vida ou de lesões graves de menores, naturalmente incapazes de se defenderem das agressões vividas dentro da família, o Estado tem de intervir para os proteger. Mas há muitas situações – naturalmente, a maior parte – em que as “coisas” não são a preto e branco e em que o cinzento preenche grande parte do quadro. São esses casos que temos de clarificar em termos e regras e protocolos.”

A outra sugestão vai para uma reportagem do Observador que vos pode ter passado despercebida e que me pareceu especialmente interessante e original: Os gatos ainda esperam por Mário Cesariny. Nela Rita Cipriano conta uma história tão surrealista como surrealista era Cesariny: as andanças em torno da sua sua herança e do jazigo onde devia repousar, mas ainda não repousa, no lisboeta Cemitério dos Prazeres. Para já, como notou, “os gatos continuam a guardar aquela que deveria ser a última morada de Mário Cesariny. Deitados ao sol, observam indiferentes a passagem dos estranhos. É como se continuassem à espera.” Os gatos, sim, talvez porque “O Mário gostava muito de gatos.”

E por hoje é tudo. Tenham um bom fim-de-semana, nós continuaremos por aqui a seguir as últimas notícias (como as do impasse que se mantém, no momento em que escrevo, no Conselho Europeu), e o Macroscópio regressa na segunda. Até já.

 

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